quinta-feira, 2 de outubro de 2014

QUESTÕES DE ESTÉTICA DA LITERATURA (113)

Wayne Booth
 Pág. 247 - "Não é estranhável que, no meio de tantos e tão duros ataques ao emissor/autor, se tenham erguido vozes em sua defesa explícita. Colocando-se no domiínio da problemática hermenêutica, E. D. Hirsch, Jr., iniciou a sua importante obra Validity in interpretation  (1967) com um capítulo polemicamente intitulado 'In defense of the author' e, muito recentemente, Wayne Booth relembrava a verdade óbvia de que, sem autor, não existem texto, nem leitor... E o próprio Foucault, embora sublinhando conexões e dependências do conceito de autor em relação a determinados sistemas jurídicos e institucionais e embora salientando o seu relativismo nas diversas épocas e formas de civilização, acaba por reconhecer a impossibilidade de se fazer tábua rasa do autor e, mais rigorosamente, da função-autor, que não representa uma simples construção teórica, mas é antes uma realidade inscrita no próprio texto.
(pg. 248) Com efeito, quer a teoria formalista da 'falácia da intenção', quer outras teorias que com ela confluíram na desvalorização e na eliminação do autor, reagiram justificadamente contra uma simplista - e, por vezes, ingenuamente dogmática - concepção racionalista e individualista da produção literária, mas pensamos que a supressão do autor se apresenta como teoricamente inconsistente em face de duas grandes linhas de investigação interdisciplinar desenvolvidas no âmbito da teoria da literatura contemporânea e que convergem, embora com pressupostos e objectivos teóricos diferenciados, no reconhecimento da função relevante desempenhada pela instância emissora no processo da comunicação literária.
Em primeiro lugar, a linha de investiação que, arrancando de Freud e passando por cientistas como Mélanie Klein, Ernst Kris, Jacques Lacan, etc., analisa as relações da produção artística, em geral, e da produção literária, em particular, com o domínio do inconsciente. Se esta linha de investigação fez entrar em crise uma concepção do sujeito de tipo cartesiano e idealista-transcedental - e pôs em causa, por conseguinte, um intencionalismo de cunho racionalista -, não afectou - bem pelo contrário, como demonstram sobretudo os estudos de Freud sobre Leonardo Da Vinci e Dostoiewskij - a posição nuclear do emissor/autor relativamente à produção dos textos literários. Os mecanismos e as regras de funcionamento do inconsciente freudiano são transindividuais, mas operam sobre dados psíquicos individuais e particularizados que constituerm a história da vida de um homem - e sobretudo a história da sua infância - e por isso a análise freudiana dos sonhos, dos lapsos, das obras artísticas, etc., não descurando embora a manifestação em todos estes fenómenos de forças e símbolos universais e transtemporais, é indissociável da história individual de um homem. Como o próprio Freud observou no Congresso da Sociedade Psicanalítica de Viena realizado em 24 de Novembro de 1909, 'um conteúdo tem em regra a sua história' e na arte 'a forma é o precipitado de um conteúdo mais antigo'. E se, na teoria lacaniana, o sujeito do inconsciente (do significante) se constitui excentricamente en relação ao lugar do sujeito cartesiano (do significado)  - 'Je pense où je ne suis pas, donc je suis où je ne pense pas' - , o texto literário em que se increve esta 'excentricité radicale de soi à lui-même à quoi l'homme est affronté' não pode ser dissociado da problemática do sujeito, um sujeito que se constrói na produção da letra, forma simbólica e suporte material do (p.250) significante, através da qual corre 'o riacho do desejo'. Em qualquer caso, o reconhecimento da preterintencionalidade da mensagem não implica a desnecessidade de conhecer a sua instância emissora. Pelo contrário, o anti-intencionalismo formalista elimina toda a problemática do sujeito emissor."

(CONTINUA)

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