sexta-feira, 13 de fevereiro de 2015

CONTOS CORRENTES

A seção Contos Correntes apresenta hoje o conto Você está cercado!, do livro O herói está de folga (Dênisson Padilha Filho. Editora Kalango, 2014, contos).

Dênisson Padilha Filho já lançou quatro livros: “Aboios celestes”, “Carmina e os vaqueiros do pequi”, “Menelau e os homens” e “O herói está de folga”. É mestre em Cultura e Sociedade pela UFBA e roteirista de audiovisual. Nasceu e vive na Bahia, dividindo seu tempo entre Salvador e a Serra Geral da Bahia.


VOCÊ ESTÁ CERCADO!

― De mim você quer saber o caminho?
― Sim ― eu disse ―, uma vez que eu mesmo não posso encontrá-lo.
― Desista, desista ― disse ele e virou-se com um grande ímpeto,
como as pessoas que querem estar a sós com o seu riso.”

Franz Kafka


― Delegado! Orêa voltou!
― Como assim voltou? Orêa estava tirando detenção!
― Pois é, entrou na casa da madrasta. Acho que vai fazer a velha de refém.
― Cerque a casa, sargento. Leve todo o seu destacamento.
Todo o meu destacamento: eu e Políbio; Cabo Fonseca tá de licença.
― Como está de armamento?
― Uma 12, uma Beretta e o 38 de Fonseca.
― Ótimo, sargento. Cerque a casa.

Uma população inteira de curiosos já sabia da novidade. Orêa havia voltado e com ele a promessa de algumas horas insólitas, uma movimentação incomum aos dias daquele lugarzinho esquecido. Todos se amontoavam a cinquenta metros da casa de fachada estreita, na velha pracinha da quadra de futebol. Guardavam uma distância ótima, entre o escutarem tudo e o não levarem bala.

E todos viram chegar, até com alguma coragem, mas com um indisfarçável desânimo, o sargento com a 12 numa mão e o megafone na outra, e todo o seu destacamento: o soldado Políbio.

― Ouça, Orêa! Você está cercado, Orêa! Só resta se entregar, Orêa!
 a população acompanhava aquilo, cheia de palpites:
― Orêa vai ficar furadinho hoje!
― Políbio, fique na cerca, na quina do oitão com o quintal. Ôrea, saia com as mãos na cabeça, Orêa! ― O sargento alternava a boca entre o “à capela” e o megafone ― Atenção, 

Orêa! Não faça nada pra se arrepender depois. Saia com as mãos na cabeça, Orêa!

Reproduzia frases que ouvira num filme de Al Pacino.

― Deixe as mãos onde eu possa ver, Orêa!

E a população vibrava com a possibilidade de show ao vivo naquela hora:

― Que nada! Ele vai furar o cerco dando pirueta. Aí, quando a gente menos esperar, ele vai sair pulando; vai fugir lisinho.
― Nada de truques, Orêa! Políbio, atento aí.
― Positivo, sargento.

E as lembranças eram muitas por parte do povo:

― Eu lembro uma vez que Orêa enfrentou quatro de arma na mão e ele sem nada, lá na beira do rio. Subiu num muro, depois pulou pra goiabeira e se jogou no rio. Depois foi descendo a correnteza e dando banana pros bestas, dando risada.

― Orêa, vamos conversar, Orêa! Não faça nenhuma besteira... Políbio, aqui na frente. O trinco da porta tá mexendo. Preciso de reforço, ele vai sair atirando.

A porta se abre lenta. A rua mergulha num silêncio e dele surge um vulto na porta da frente.

― Baixa a arma, Políbio!

Diante da multidão, a velha aparece com uma cara abobalhada, olhar de vidro, meio sem saber o que fez.

― Largue isso no chão, dona. Pode machucar alguém.

A velha seguiu porta afora, diante do povo, agora mais perto.

― Venha, dona, entre aqui. Quero todo mundo pra trás... Dispersando!

O sargento dava ordens, e a pequena multidão, desanimada, teve sua diversão desfeita.

― É que esse menino eu criei desde novinho. Já-já ele ia arranjar confusão de novo, roubar carro, gado... Pelo menos eu livrei ele desse mundo malvado. Mas eu gostava demais desse menino, acredite, sargento...

Soldado Políbio, numa mão trazia o megafone do sargento, na outra, a faca ensanguentada.

E a velha continuou falando, enquanto o sargento a colocava algemada pra dentro do fusca da polícia, empurrando-a pela cabeça, como nos filmes.


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