A seção Contos Correntes apresenta hoje o conto Você está cercado!, do livro O herói está de folga (Dênisson Padilha Filho. Editora Kalango, 2014, contos).
Dênisson Padilha Filho já lançou quatro livros: “Aboios celestes”, “Carmina e os vaqueiros do pequi”, “Menelau e os homens” e “O herói está de folga”. É mestre em Cultura e Sociedade pela UFBA e roteirista de audiovisual. Nasceu e vive na Bahia, dividindo seu tempo entre Salvador e a Serra Geral da Bahia.
Dênisson Padilha Filho já lançou quatro livros: “Aboios celestes”, “Carmina e os vaqueiros do pequi”, “Menelau e os homens” e “O herói está de folga”. É mestre em Cultura e Sociedade pela UFBA e roteirista de audiovisual. Nasceu e vive na Bahia, dividindo seu tempo entre Salvador e a Serra Geral da Bahia.
VOCÊ
ESTÁ CERCADO!
“― De mim você quer saber o caminho?
― Sim ― eu disse ―, uma vez que eu mesmo
não posso encontrá-lo.
― Desista, desista ― disse ele e virou-se
com um grande ímpeto,
como as pessoas que querem estar a sós com
o seu riso.”
Franz
Kafka
― Delegado! Orêa voltou!
― Como assim voltou? Orêa estava tirando detenção!
― Pois é, entrou na casa da
madrasta. Acho que vai fazer a velha de refém.
― Cerque a casa, sargento. Leve
todo o seu destacamento.
― Todo o meu destacamento: eu e Políbio; Cabo Fonseca tá de licença.
― Como está de armamento?
― Uma 12, uma Beretta e o 38 de
Fonseca.
― Ótimo, sargento. Cerque a casa.
Uma população inteira de
curiosos já sabia da novidade. Orêa havia voltado e com ele a promessa de
algumas horas insólitas, uma movimentação incomum aos dias daquele lugarzinho
esquecido. Todos se amontoavam a cinquenta metros da casa de fachada estreita,
na velha pracinha da quadra de futebol. Guardavam uma distância ótima, entre o
escutarem tudo e o não levarem bala.
E todos viram chegar, até com
alguma coragem, mas com um indisfarçável desânimo, o sargento com a 12 numa mão
e o megafone na outra, e todo o seu destacamento: o soldado Políbio.
― Ouça, Orêa! Você está
cercado, Orêa! Só resta se entregar, Orêa!
a população
acompanhava aquilo, cheia de palpites:
― Orêa vai ficar furadinho
hoje!
― Políbio, fique na cerca, na
quina do oitão com o quintal. Ôrea, saia com as mãos na cabeça, Orêa! ― O
sargento alternava a boca entre o “à capela” e o megafone ― Atenção,
Orêa! Não faça nada pra se arrepender depois. Saia com as mãos na cabeça, Orêa!
Orêa! Não faça nada pra se arrepender depois. Saia com as mãos na cabeça, Orêa!
Reproduzia frases que ouvira
num filme de Al Pacino.
― Deixe as mãos onde eu possa
ver, Orêa!
E a população vibrava com a
possibilidade de show ao vivo naquela hora:
― Que nada! Ele vai furar o
cerco dando pirueta. Aí, quando a gente menos esperar, ele vai sair pulando;
vai fugir lisinho.
― Nada de truques, Orêa!
Políbio, atento aí.
― Positivo, sargento.
E as lembranças eram muitas por
parte do povo:
― Eu lembro uma vez que Orêa
enfrentou quatro de arma na mão e ele sem nada, lá na beira do rio. Subiu num
muro, depois pulou pra goiabeira e se jogou no rio. Depois foi descendo a
correnteza e dando banana pros bestas, dando risada.
― Orêa, vamos conversar, Orêa!
Não faça nenhuma besteira... Políbio, aqui na frente. O trinco da porta tá
mexendo. Preciso de reforço, ele vai sair atirando.
A porta se abre lenta. A rua
mergulha num silêncio e dele surge um vulto na porta da frente.
― Baixa a arma, Políbio!
Diante da multidão, a velha aparece
com uma cara abobalhada, olhar de vidro, meio sem saber o que fez.
― Largue isso no chão, dona.
Pode machucar alguém.
A velha seguiu porta afora,
diante do povo, agora mais perto.
― Venha, dona, entre aqui.
Quero todo mundo pra trás... Dispersando!
O sargento dava ordens, e a
pequena multidão, desanimada, teve sua diversão desfeita.
― É que esse menino eu criei
desde novinho. Já-já ele ia arranjar confusão de novo, roubar carro, gado...
Pelo menos eu livrei ele desse mundo malvado. Mas eu gostava demais desse
menino, acredite, sargento...
Soldado Políbio, numa mão
trazia o megafone do sargento, na outra, a faca ensanguentada.
E a velha continuou falando,
enquanto o sargento a colocava algemada pra dentro do fusca da polícia,
empurrando-a pela cabeça, como nos filmes.
Nenhum comentário:
Postar um comentário
http://twitter.com/Menalton_Braff
http://menalton.com.br
http://www.facebook.com/menalton.braff
http://www.facebook.com/menalton.braff.escritor
http://www.facebook.com/menalton.para.crianças