Antonio Possidonio Sampaio é autor de vários livros de ficção, entre eles Sim Sinhor, Inhor Sim, Pois Não ..., ABC Cotidiano, Em Busca dos Companheiros, Andanças com Salvador Bahia. É baiano de Morro Preto, município de Iaçu. Graduado em Direito pela USP, atua há mais de meio século na área do Direito Social, principalmente na região industrial do ABC paulista.
CERTIFICO E DOU FÉ
Antonio Possidonio Sampaio
O vento experimenta
o que vai afzer
com sua liberdade.
(Guimarães Rosa.)
Certifico que
só depois desses anos todos de janela, comecei a perceber a importância do
ventinho da liberdade. E me dou conta de que minha salvação foi ter dado ouvido
a um tal de Altério, por muito tempo tachado de porra-louca por uns e outros
ajuizados. Entre suas sacadas conhecidas por porra-louquice, figurava a mais
conhecida, isto é, se a gente quiser experimentar o vento da liberdade é
preciso chutar o pé da barraca com mais frequência e determinação que o senhor
e os obedientes imaginam.
Vivo de
consultas, nos conformes que a ampulheta indicar: um pouquim de atenção, fechar
esse computador e desligar o celular, pois o Altério está sempre a alertar que
trabalho continuado faz mal pra cabeça e pro tesão. Perdão, eu queria dizer
outra palavra à altura da sua condição. Como o senhor está tendo paciência,
logo vou lhe contar como comecei a assimilar a receita alteriana mesmo antes de
começar na profissão.
Enquanto o
senhor não decide, disposto estou a continuar sem mesmo a ampulheta consultar,
como aconteceu meu primeiro ensaio de desobediência, mais impulsionado pela
prudência do que mesmo pela coragem. Foi meu primeiro chute no pé da barraca
que só com o passar do tempo pude avaliar.
Quando
estudava no primeiro ano do antigo curso clássico, ouvi o seguinte do professor
substituto de latim: “Não é preciso se preocupar tanto pois temos coisas mais
importantes a aprender...” Observou assim após escutar a silabada cometida por
um colega que estava lendo uma passagem das Catilinárias, na presença de
colegas que deixaram escapulir um sorrisinho com ar de gozação.
Surpreso
também fiquei mas não tive peito de expor meu desacordo que só me aliviou
quando um colega ajuizado comentou: “Se a gente for na dele, nunca vamos entrar
na São Francisco!”
E no ano
seguinte me transferi pro Colégio Estadual de São Paulo, antes conhecido por
Ginásio do Estado. E os ajuizadinhos do novo colégio me disseram: “Se você
conseguir acompanhar direitinho as aulas de latim e as de português, com
certeza passará direto na “velha e sempre nova” academia do Largo de São
Francisco, conforme as experiências acumuladas, que o colégio possui.”
Passei a dar
mais atenção às idéias do Altério quando comecei a parar no pátio das Arcadas e
presenciar discussões contemplando ideias divergentes. Numa noite em que o
professor de Teoria Geral do Estado faltou, fui tomar café num dos bares da
redondeza, quando ouvi um veterano desabafar para colegas que também degustavam o cremoso:
Miséria, eis tudo o que resta
De cinco anos de estudo
Um diploma que não presta
Enfiado num canudo
Estremecido
fiquei, mas garanto ao senhor que foi o tal canudo que mais tarde me permitiu
uma certa tranquilidade econômica , mas faltou algo que continuo perseguindo, pois tão logo comecei a levar a
sério as ideias do Atério, fui me lembrando de outros chutinhos que aqui estou
a comentar.
Já que o
senhor desligou as máquinas, vamos em frente. Certo dia, sem controle da cachola, mais
um chutinho: mudei de um apartamento razoavelmente confortável onde morava,
deixei o emprego público garantido pela estabilidade, e fui morar na Casa do
Estudante, também conhecida por Ninho das Águias, passando a me alimentar
daquele feijãozinho ralo com arroz no restaurante do XI de Agosto. Na Casa,
passei a conviver com os águias, assim consideradas boêmios, gente politizada,
bancários, assim classificados os certinhos seguidores da cartilha dos
ajuizados. Foi graças a essa convivência que afastei da cachola a ideia de
seguir carreira concursada , juiz, promotor ou coisa do gênero. Como queria
mesmo era advogar, passei a estagiar no Departamento Jurídico do Centro
Acadêmico XI de Agosto, onde atendia aflitos sem eira nem beira em busca de
justiça. O primeiro HC que requeri em favor de um líder comunitário do Jardim
Nordeste sem culpa formada, por ocasião do golpe militar de 1964, claro que a
ordem foi negada, apesar da inocência do moço. Enquanto isso, acompanhava outras demandas, como despejo, pensão
alimentícia, separação, reclamações trabalhistas, experiência que me revelou o
outro lado da realidade social e possibilitou mais tarde a abertura de banca
própria.
E para
reforçar o feijão com arroz enquanto estagiava, passei a trabalhar como
repórter do jornal de propriedade de um udenista que não demorou muito foi logo
me apontando o olho da rua.
E dou fé que
graças ao estágio no Dejur do XI e influenciado pelas ideias do Altério que não
pararam mais de germinar nesses anos todos de janela, só sosseguei um pouco
quando resolvi deixar a profissão. E agora aí estamos pagando para trabalhar em
busca de novo ofício.
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