sexta-feira, 3 de abril de 2015

CONTOS CORRENTES

BREVE CURRÍCULO
Antonio Possidonio Sampaio é autor de vários livros de ficção, entre eles Sim Sinhor, Inhor Sim, Pois Não ..., ABC CotidianoEm Busca dos CompanheirosAndanças com Salvador Bahia.  É baiano de Morro Preto, município de Iaçu.  Graduado em Direito pela USP, atua há mais de meio século na área do Direito Social, principalmente na região industrial do ABC paulista.


CERTIFICO E DOU FÉ
Antonio Possidonio Sampaio

O vento experimenta
o que vai afzer
com sua liberdade.
(Guimarães Rosa.)

Certifico que só depois desses anos todos de janela, comecei a perceber a importância do ventinho da liberdade. E me dou conta de que minha salvação foi ter dado ouvido a um tal de Altério, por muito tempo tachado de porra-louca por uns e outros ajuizados. Entre suas sacadas conhecidas por porra-louquice, figurava a mais conhecida, isto é, se a gente quiser experimentar o vento da liberdade é preciso chutar o pé da barraca com mais frequência e determinação que o senhor e os obedientes imaginam.


Vivo de consultas, nos conformes que a ampulheta indicar: um pouquim de atenção, fechar esse computador e desligar o celular, pois o Altério está sempre a alertar que trabalho continuado faz mal pra cabeça e pro tesão. Perdão, eu queria dizer outra palavra à altura da sua condição. Como o senhor está tendo paciência, logo vou lhe contar como comecei a assimilar a receita alteriana mesmo antes de começar na profissão.

Enquanto o senhor não decide, disposto estou a continuar sem mesmo a ampulheta consultar, como aconteceu meu primeiro ensaio de desobediência, mais impulsionado pela prudência do que mesmo pela coragem. Foi meu primeiro chute no pé da barraca que só com o passar do tempo pude avaliar.
Quando estudava no primeiro ano do antigo curso clássico, ouvi o seguinte do professor substituto de latim: “Não é preciso se preocupar tanto pois temos coisas mais importantes a aprender...” Observou assim após escutar a silabada cometida por um colega que estava lendo uma passagem das Catilinárias, na presença de colegas que deixaram escapulir um sorrisinho com ar de gozação.
Surpreso também fiquei mas não tive peito de expor meu desacordo que só me aliviou quando um colega ajuizado comentou: “Se a gente for na dele, nunca vamos entrar na São Francisco!”

E no ano seguinte me transferi pro Colégio Estadual de São Paulo, antes conhecido por Ginásio do Estado. E os ajuizadinhos do novo colégio me disseram: “Se você conseguir acompanhar direitinho as aulas de latim e as de português, com certeza passará direto na “velha e sempre nova” academia do Largo de São Francisco, conforme as experiências acumuladas, que o colégio possui.”

Passei a dar mais atenção às idéias do Altério quando comecei a parar no pátio das Arcadas e presenciar discussões contemplando ideias divergentes. Numa noite em que o professor de Teoria Geral do Estado faltou, fui tomar café num dos bares da redondeza, quando ouvi um veterano desabafar  para colegas que também degustavam o cremoso:

Miséria, eis tudo o que resta
De cinco anos de estudo
Um diploma que não presta
Enfiado num canudo

Estremecido fiquei, mas garanto ao senhor que foi o tal canudo que mais tarde me permitiu uma certa tranquilidade econômica , mas faltou algo que continuo  perseguindo, pois tão logo comecei a levar a sério as ideias do Atério, fui me lembrando de outros chutinhos que aqui estou a comentar.

Já que o senhor desligou as máquinas, vamos em frente. Certo dia, sem controle da cachola, mais um chutinho: mudei de um apartamento razoavelmente confortável onde morava, deixei o emprego público garantido pela estabilidade, e fui morar na Casa do Estudante, também conhecida por Ninho das Águias, passando a me alimentar daquele feijãozinho ralo com arroz no restaurante do XI de Agosto. Na Casa, passei a conviver com os águias, assim consideradas boêmios, gente politizada, bancários, assim classificados os certinhos seguidores da cartilha dos ajuizados. Foi graças a essa convivência que afastei da cachola a ideia de seguir carreira concursada , juiz, promotor ou coisa do gênero. Como queria mesmo era advogar, passei a estagiar no Departamento Jurídico do Centro Acadêmico XI de Agosto, onde atendia aflitos sem eira nem beira em busca de justiça. O primeiro HC que requeri em favor de um líder comunitário do Jardim Nordeste sem culpa formada, por ocasião do golpe militar de 1964, claro que a ordem foi negada, apesar da inocência do moço. Enquanto isso, acompanhava  outras demandas, como despejo, pensão alimentícia, separação, reclamações trabalhistas, experiência que me revelou o outro lado da realidade social e possibilitou mais tarde a abertura de banca própria.
E para reforçar o feijão com arroz enquanto estagiava, passei a trabalhar como repórter do jornal de propriedade de um udenista que não demorou muito foi logo me apontando o olho da rua.



E dou fé que graças ao estágio no Dejur do XI e influenciado pelas ideias do Altério que não pararam mais de germinar nesses anos todos de janela, só sosseguei um pouco quando resolvi deixar a profissão. E agora aí estamos pagando para trabalhar em busca de novo ofício.







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