RESENHA
Contando
Histórias
Vanessa Maranha
Contando
Histórias é um livro organizado pela escritora sul-africana
Nadine Gordimer, que reuniu nomes notáveis da literatura mundial em prol da TAC
(Treatment Action Campaign), para o tratamento e a prevenção da AIDS,
especialmente nos países da África.
Vinte e um autores -
cinco dos quais laureados pelo Prêmio Nobel de Literatura - (Gabriel García
Márquez; José Saramago; Zenzaburo Oe; Günter Grass e a própria Nadine Gordimer)
– abriram mão dos direitos autorais e escolheram os textos para compor a
antologia que traz ainda narrativas curtas de Paul Theroux; Hanif Kureichi;
Arthur Miller; Njabulo Ndebele; Ingo Schulze; Salman Rushdie; Margaret Atwood;
John Updike; Amós Oz; Michel Tournier; Susan Sontag; Claudio Magris; Es’kia
Mphahlele; Chinua Achebe; Christa Wolf e Woody Allen.
Com um
time desse porte, o resultado final é um caleidoscópio da atualidade ficcional
que narra o universo humano em suas igualdades e em suas diferenças por meio
dos matizes da comédia, da sátira, da tragédia, do drama, entre outros gêneros.
Dessa amostragem do conto contemporâneo
o que se pode dizer, fundamentalmente, é
da fruição em sua leitura. Mundos, acentos, dialetos e estilos variados vão se
sobrepondo cumulativamente nas retinas de seu leitor e elogiam a diversidade,
preservando a peculiaridade da mensagem inscrita em cada cultura.
Nos autores
africanos, por exemplo, parece correta a afirmativa de que, ao narrar, ainda
que ficção, o autor transpõe importantes aspectos de si próprio. Njabulo
Ndebele conta a história de um filho morto pela polícia racista sul-africana e
da busca, por parte dos pais, de seu corpo, de alguma dignidade. Chinua Achebe
entoam um cântico convergente das duas ânsias básicas do homem, acima e abaixo
da cintura.
E como não só
o autor fala de si ao escrever, o leitor também está impregnado de seus
próprios conteúdos e sua lente peculiar e subjetiva, a do momento, digo que em
minha leitura, o ápice do livro está no conto “O ninho do pássaro de fogo”, de
Salman Rushdie. E por duas razões: pelo estilo serpenteado, pela remissão do
fantástico, pelo mistério em seu conteúdo, noutra vertente, claríssimo, eu
diria até, de uma lucidez que cega. Aqui,
o polêmico autor de “Versos Satânicos”, que por anos viveu foragido em virtude
da fatwa islâmica, se burila num
artesão de filigranas. Escreve uma fábula oriental repleta de imagerie e magia que reflete o
estranhamento inexorável, de par com a complementaridade evidente - essa
dicotomia – entre masculino e feminino. A personificação desse conflito está no
casal Maharaj, numa terra onde as mulheres não morrem, tornam-se fogo ou
represas vertendo aguaceiros. Paul
Theroux aparece, como sempre, distópico em seu texto “Cachorros Mornos”. É da paranóia contemporânea e de isolamento
voluntário, o não-envolvimento com o sofrimento alheio, que nos fala Ingo
Schulze, em seu “Telefone Celular". José
Saramago torna à Mitologia com “O Centauro”, evocando, a prosa densa, o momento
da morte e o encontro com os deuses. O amor pulsante e proibido entre o senador
Onésimo Sanchez e Rosa Del Virrey é o tema (recorrente) de García Márquez,
nessa obra. A
erudição de grandes ensaístas como John Updike e Susan Sontag não interfere,
antes, baliza, seu talento ficcional em cujo carbono a sociedade
norte-americana é deflagrada e sempre criticada, respectivamente, em “A Jornada
para os Mortos” e “A Cena da Carta”, este último, uma espécie de desconstrução
da literatura epistolar, na forma.
Um livro marcante, obra
de referência para quem deseja passear pelo que de melhor se faz em termos de
literatura nos dias de hoje. Uma celebração da arte como lança ou escudo contra
as dores e mazelas do mundo.
Nadine Gordimer nasceu em
Springs, Transvaal, no extremo norte da África do Sul em 1923, filha de
imigrante judeu e mãe inglesa. Começou
a escrever literatura aos 9 anos de idade, Depois de duas coletâneas de contos,
publicou seu primeiro romance, “The Living Days”, em 1953.
Frequenta
a Universidade de Witwatersrand, em Johannesburgo, por apenas um ano. No final
dos anos 60, transferiu-se para os Estados Unidos (EUA), onde lecionou em
diversas escolas até o início da década seguinte.
É
autora de mais de 30 livros - em sua maioria, crônicas sobre a deterioração
social que afetou seu país durante o regime do apartheid.
Desde seu romance de
estréia, The Lying Days (1953), até The Conservationist (1974),
vencedora do Booker Prize, dedicou-se a dramatizar as difíceis escolhas morais
surgidas numa sociedade marcada pela segregação racial. A temática política
está sempre presente em seus romances, caso de A Guest of Honor (1970), no qual é relatada a experiência de um
liberal branco, expulso do país devido a sua simpatia pelos negros, que, de
regresso à África do Sul independente, encontra uma nova e complexa realidade. Ganhou
o Prêmio Nobel de Literatura de 1991 e, mais recentemente, a Legião da Honra,
na França. A autora continua a explorar os problemas que assolam seu país em
livros como O engate (2004) e Beethoven Was One-Sixteenth Black,
uma coletânea de contos.
Excelente resenha. Dá um aperitivo saboroso para leitura do livro.
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