sábado, 5 de setembro de 2015

“MRS. DALLOWAY", LIVRO DE RELEITURAS


  Resenha de Vanessa Maranha

“Mrs. Dalloway”, considerado a obra-prima de Virginia Woolf, é um grande texto para ser revisitado em diferentes momentos da vida.  

Numa primeira mirada, o estranhamento diante da forma que apresenta um enredo enxuto, aparentemente banal e que tem por recursos técnicos e estilísticos o fluxo de consciência; a anulação na distinção entre discurso direto e indireto; o monólogo; o solilóquio; narrativa que se alterna entre a descrição onisciente na trilha de pelo menos vinte personagens ; recuos e avanços abruptos no tempo.
“Mrs.Dalloway”, que deriva dos contos “Mrs.Dalloway em Bond Street” e “O Primeiro Ministro”, acontece num único dia de junho na Inglaterra do período entreguerras e costuma ser apontado, aliás, como uma réplica a “Ulisses” de James Joyce. Na segunda leitura, menos distraída pela exuberância da forma, pode-se focalizar melhor no enredo e nas temáticas recorrentes em todos os livros de
Virginia Woolf.

Clarissa Dalloway é uma dona de casa que prepara uma recepção. Logo pela manhã ela sai para fazer compras em Londres e o que vê e sente nesse percurso a remete à sua juventude em Bourton. A partir daí, a personagem, em rememorações, reconstroi a sua vida, entra e sai, imaginariamente, dos pensamentos de pessoas importantes em sua biografia. 

                                                                                                                     
Casada com o estável Richard Dalloway em vez do enigmático Peter Walsh, embora se sentisse também atraída por Sally Seton, Clarissa reflete sobre o peso das escolhas de uma vida. O retorno de Peter, da Índia, agrava-lhe tais pensamentos. Septimus Smith, um veterano de guerra mentalmente debilitado, passa a tarde com a esposa Lucrezia no parque e é acometido por alucinações com seu amigo Evans -  numa clara conotação homoafetiva, também evocada nas descrições  do relacionamento entre a personagem e Sally Seton, bem como entre Elizabeth e Doris Kilman. Septimus suicida-se e isso ecoa na festa, à noite, promovida por Mrs. Dalloway. Ato que passa a ser acalentado por Clarissa como uma das formas possíveis, em suas associações, da preservação da singularidade humana. Ainda assim, o convescote revela-se afinal um sucesso e, claro, um recorte preciso da sociedade de então.     

Na terceira leitura da obra, possivelmente motivada pelo filme “As Horas”, baseado no livro homônimo de Michael Cunninghan e que é uma homenagem genial a “Mrs.Dalloway”, é possível tangenciar as grandes discussões desta autora fantástica que é Virginia Woolf. O feminismo que argumenta contra a repressão sexual e econômica. A crítica ao tratamento do transtorno mental em Septimus Smith, a negligência na abordagem clínica de então.  A condição desse personagem como um alterego da própria autora, igualmente portadora de doença psíquica, que também tem, na realidade, seu desfecho trágico em suicídio.                                                                                                                                          
Livro que poderia ser simplificado como “um dia na vida de uma mulher”, “Mrs.Dalloway” é, na verdade, uma grande história sobre a crise de um indivíduo, a crise de uma sociedade e de uma classe em seus movimentos internos e também a crise da própria forma da construção de um romance.                                                                                       

Um texto sobre o tempo e a interconexão-desconexão da existência humana. Sua concretude está na densidade de impressões e emoções, entrelaçando presente, passado e futuro como derivativos entre si. Segundo o crítico Harold Bloom, Virginia Woolf pensava em “Mrs. Dalloway” como "uma estrutura de ordem tal que cada cena serviria para construir a idéia do caráter de Clarissa. Uma vez que a figura de Clarissa Dalloway está fundada, de um modo sutil, sobre o sentido que Woolf fazia de sua própria consciência, o resultado seria uma espécie de auto-retrato psíquico, deixando de fora apenas a circunspeção estética da autora. E é justamente esta circunspeção que ajuda a universalizar certos aspectos do caráter da personagem, apresentada implicitamente como um estudo do desenvolvimento de uma mulher (e não de uma grande escritora)".                  

Embora a tradução de Mário Quintana seja irretocável, a leitura no original em inglês, possibilita contato com suas sutilezas expressivas intraduzíveis como “unladylike statements”. Virginia Woolf, nesse livro, já dentro do Modernismo trepidante, “sua voz sem idade, sem nexo, a voz de uma antiga fonte jorrando da terra”, é seminal, sem a qual, talvez não tivesse sido possível a eclosão de uma tonalidade como a de Clarice Lispector, em âmbito local, cuja obra parece, claramente em “O Livro dos Prazeres”; “A Paixão Segundo G.H” e “Perto do Coração Selvagem”, desdobrada a partir dos ápices e dos abismos de “Mrs.Dalloway”, ainda que nossa autora negasse tal fonte indiscutível.

BIOGRAFIA


             Virginia Woolf nasceu em Londres, em 1882. Muito jovem, estudou Platão, Espinoza, Montaigne e Hume. 
                                                                                                                    
Após a morte de seu pai, em 1904, Virginia e seus irmãos mudam-se para Bloomsbury, bairro londrino onde formariam o famoso grupo de Bloomsbury, círculo de intelectuais sofisticados que investiria contra as tradições literárias, políticas e sociais da era vitoriana.                                                                                                                                    
Virginia casou-se, em 1912, com Leonard Woolf. Em 1917, fundou, ao lado do marido, a Hogarth Press, editora que revelou escritores como Katherine Mansfield e T.S. Eliot. As primeiras obras de Virginia Woolf foram “The Voyage Out” (1915) e “Night and Day” (1919). Em “Mrs. Dalloway” (1925), Virginia Woolf examina o tempo presente e passado, limita o tempo da ação e emprega recursos estilísticos para retratar a experiência individual. O mesmo ocorre com o livro “Rumo ao Farol” (1927). Em 1928, publicou “Orlando”, uma fantasia histórica que evoca a Inglaterra, sobretudo literária, da era elizabetana. Em 1931, publicou “As Ondas”, uma de suas obras mais importantes. Seis anos mais tarde, Virginia lançou o livro “Os anos”.                                                          
A história de sua vida é indissociável de sua obra. Mesmo dividida entre suas ocupações de diretora de sua própria editora, suas críticas literárias -Virginia conseguiu superar, em seus romances, os limites impostos pela ficção realista. Integrou à narrativa uma simultaneidade de eventos e criou com isso uma nova concepção do tempo narrativo, que mais tarde veio a se chamar "forma espacial do romance". Em 1941, após diversas tentativas de suicídio e uma grave crise de depressão, Virginia Woolf se afogou no rio Ouse. Deixou considerável número de ensaios, uma extensa correspondência e o romance, “Between the Acts” (1941).

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