terça-feira, 13 de outubro de 2015

RESENHA

O Volume do Silêncio*



Dezessete contos, retirados das antologias Hotel Solidão, O vaso azul, Duas tardes, Meu amigo João e Dias raros, compõem o livro O volume do silêncio, de João Anzanello Carrascoza, que ficou entre os vencedores do Prêmio Jabuti, na categoria contos, de 2007.

Autor premiado, oriundo da vizinha cidade de Cravinhos (SP), Carrascoza fez parte do ruidoso grupo Geração 90, organizado por Nelson deOliveira escritor e antologista que também, não por acaso, foi quem selecionou os textos para O volume do silêncio.

O livro traz histórias alinhavadas por um traço comum: falam basicamente de momentos. E para dissecar esses momentos, o autor busca significações por meio de uma linguagem precisa, exuberante, de tintas proustianas, lampejos de inventividade numa prosa vagamente elegíaca, num gênero que se contrapõe, dialeticamente, entre o épico narrativo e o lírico, trazendo aquilo que Hegel denomina objetividade épica no fluxo narrativo e subjetivamente lírica, o que é, em síntese,  prosa poética.


Esse escritor, que já foi definido por Alfredo Bosi como “implacavelmente terno”, é dono de textos fluidos e límpidos, na elegância das formas, mas nada retilíneos em conteúdo – não exatamente representativos da amostragem mais evidente da literatura brasileira contemporânea feita por gente de sua geração, a saber, ainda segmentada pela elevação da equação subversivo = marginal.

A produção de João Anzanello Carrascoza se destaca pela sutileza e se diferencia daquela que caracteriza o referido grupo pela não-utilização de elementos de cruísmo em suas narrativas, a saber, o emprego da descrição realista da violência ou o desnivelamento do vernáculo. Não. A alta voltagem em sua prosa está justamente, de novo, na elegância e nas formas elaboradas de conduzir o leitor a situações impactantes, ao tensionar ao limite as nuances dos pequenos dramas humanos, das derrotas cotidianas, ver “imensidão nas miudezas”, como no conto “Vaso Azul”, que retrata habilidosamente os significados ocultos de um reencontro entre mãe e filho, desfolhando cada uma das partes. A tangência ao mítico que há na dupla mãe e filho, de novo, comparece em “Umbilical”.

“Dias raros” toca também no tema das intrincações dos laços familiares, que parece caro a Carrascoza, e traz à tona a doçura de uma relação avó-neto, o paroxismo de sentimentos deste diante daquela.

Mais uma vez, "O menino e o pião" é um relato da espera ansiosa de um garoto por seu pai, que culmina com a cena do genitor a observá-lo, furtivo, de um corredor às escuras, enquanto a criança brinca só. "O menino não cogita que um dia esse cordel se partirá. E, sem ele, o pião jamais será o que foi, como a roseira não é mais a semente que a gerou, nem o sol, a poeira que se aglutinou para formá-lo, círculo de luz, esplendor”.

Destaque para o texto casais, que não pode ser propriamente definido como conto, talvez uma crônica, em que o autor transparece como personagem num desabafo poético e epifânico, no estranhamento evidente do interiorano diante da vida na metrópole, sua solidão, e diz: “a felicidade dura pouco, muito pouco. De qualquer forma, cantamos. Chegamos até a ponto de bailar. Sim, bailamos pela sala, lentamente. Já não temos a mesma agilidade para a dança. Mas dançamos. Em breve, muito breve, teremos um filho. E ensinaremos a ele tudo o que sabemos”.

Recorrentes as narrativas que trazem interrogações, urgências, alumbramentos próprios da infância e da adolescência e que acontecem em cenários corriqueiros, situações aparentemente simples, mas que sob o pincel-pena de Carrascoza se adensam (ainda que leves), levando o leitor a emoções sofisticadas – em especial aquele leitor “não subvencionado nem corrompido” pela rasura planificadora dos dias que correm. É como “Ir de um aqui a um ali, costurar as margens do cá às do lá”. Leitura precisa para quem sente “a vida vindo, inevitável”.

Na equação nada matemática de Carrascoza, ou, melhor dizendo, na palheta do autor, a escrita transparece como aquarelas, por aguadas delicadas - escreve como quem pinta textos atravessados de silêncios, aclarando perplexidades que não precisam ser ruidosas para dizerem a que vêm. Uma escrita que pretende “despertar o outro para o que parece pequeno, mas que faz a grandeza do rio: o peixe, as plantas das orlas, um pássaro solitário, as gentes que nos acenam a distância, a diversidade dos remos, outras canoas que passam por nós, pneus e sapatos flutuantes, essas coisas que fazem um rio ser apenas rio”,  disse o escritor em entrevista concedida ao Comércio da Franca em Serviço.

Livro: O Volume do Silêncio
Autor: João Anzanello Carrascoza
Editora: Cosac Naify
Preço: R$ 39 (no www.submarino.com.br)

BIOGRAFIA
Nascido em 1962 na cidade de Cravinhos (SP), João Anzanello Carrascoza começou a fazer literatura quando cursava a faculdade de Comunicação na Universidade de São Paulo (USP). Foi vencedor no Concurso Nacional de Contos do Paraná; no J.J.Veiga, no Eça de Queiroz, no Ignacio de Loyola Brandão, no Guimarães Rosa-Radio France Internationale e indicado duas vezes para o Jabuti, pelos os livros O vaso azul e Duas tardes). No ano passado conquistou o terceiro lugar no Prêmio Jabuti, na categoria ''Contos e Crônicas'' com o livro O Volume do Silêncio.

Publicou os livros de contos Hotel solidão (1994) e O vaso azul (1998) e os romances juvenis A Lua do futuro (1995) e O jogo secreto dos alquimistas (Atual, 2000), além de histórias infantis. Seu conto “Sinal dos Tempos” foi escolhido para representar o Brasil, juntamente com textos de Moacyr Scliar e Marina Colassanti na antologia de Cuentos Breves Latinoamericanos (Coédición Latinoamericana, 1999) publicada em dez países de língua espanhola, sob o patrocínio da Unesco. Também nessa década participou da antologia Geração 90: manuscritos de computador, organizada por Nelson de Oliveira.

Em 2002 participou do livro O Decálogo, primeiro volume da coleção Prosa Presente, antologia de contos em edições temáticas da Editora Nova Alexandria.

Seu volume de contos  Duas tardes foi publicado em 2004. Em 2006, a convite da Art Omi International Arts Center, participou, como escritor-residente, do Programa Ledig House - International Writer’s Colony, nos Estados Unidos.

Redator publicitário, João Anzanello Carrascoza já assinou campanhas para Coca-Cola, ABN Amro Bank, Nestlé, Warner Lambert, Unilever, Siemens, entre outras marcas. Ele é também professor há quase 20 anos na Escola de Comunicações e Artes (ECA) da Universidade de São Paulo, onde fez mestrado e doutorado em Ciências da Comunicação, integrando, atualmente, o núcleo de pós-graduação stricto sensu da Escola Superior de Propaganda e Marketing.

*Escrito originalmente para o Comércio


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