O Volume do
Silêncio*
Dezessete contos, retirados das antologias Hotel Solidão, O
vaso azul, Duas tardes, Meu amigo João e Dias raros, compõem o livro O volume
do silêncio, de João Anzanello Carrascoza, que ficou entre os vencedores do
Prêmio Jabuti, na categoria contos, de 2007.
Autor premiado, oriundo da vizinha cidade de Cravinhos (SP),
Carrascoza fez parte do ruidoso grupo Geração 90, organizado por Nelson deOliveira escritor e antologista que também, não por acaso, foi quem selecionou
os textos para O volume do silêncio.
O livro traz histórias alinhavadas por um traço comum: falam
basicamente de momentos. E para dissecar esses momentos, o autor busca
significações por meio de uma linguagem precisa, exuberante, de tintas
proustianas, lampejos de inventividade numa prosa vagamente elegíaca, num
gênero que se contrapõe, dialeticamente, entre o épico narrativo e o lírico,
trazendo aquilo que Hegel denomina objetividade épica no fluxo narrativo e
subjetivamente lírica, o que é, em síntese,
prosa poética.
Esse escritor, que já foi definido por Alfredo Bosi como
“implacavelmente terno”, é dono de textos fluidos e límpidos, na elegância das
formas, mas nada retilíneos em conteúdo – não exatamente representativos da
amostragem mais evidente da literatura brasileira contemporânea feita por gente
de sua geração, a saber, ainda segmentada pela elevação da equação subversivo =
marginal.
A produção de João Anzanello Carrascoza se destaca pela
sutileza e se diferencia daquela que caracteriza o referido grupo pela
não-utilização de elementos de cruísmo em suas narrativas, a saber, o emprego da
descrição realista da violência ou o desnivelamento do vernáculo. Não. A alta
voltagem em sua prosa está justamente, de novo, na elegância e nas formas
elaboradas de conduzir o leitor a situações impactantes, ao tensionar ao limite
as nuances dos pequenos dramas humanos, das derrotas cotidianas, ver “imensidão
nas miudezas”, como no conto “Vaso Azul”, que retrata habilidosamente os
significados ocultos de um reencontro entre mãe e filho, desfolhando cada uma
das partes. A tangência ao mítico que há na dupla mãe e filho, de novo,
comparece em “Umbilical”.
“Dias raros” toca também no tema das intrincações dos laços
familiares, que parece caro a Carrascoza, e traz à tona a doçura de uma relação
avó-neto, o paroxismo de sentimentos deste diante daquela.
Mais uma vez, "O menino e o pião" é um relato da
espera ansiosa de um garoto por seu pai, que culmina com a cena do genitor a
observá-lo, furtivo, de um corredor às escuras, enquanto a criança brinca só.
"O menino não cogita que um dia esse cordel se partirá. E, sem ele, o pião
jamais será o que foi, como a roseira não é mais a semente que a gerou, nem o
sol, a poeira que se aglutinou para formá-lo, círculo de luz, esplendor”.
Destaque para o texto casais, que não pode ser propriamente
definido como conto, talvez uma crônica, em que o autor transparece como
personagem num desabafo poético e epifânico, no estranhamento evidente do
interiorano diante da vida na metrópole, sua solidão, e diz: “a felicidade dura
pouco, muito pouco. De qualquer forma, cantamos. Chegamos até a ponto de
bailar. Sim, bailamos pela sala, lentamente. Já não temos a mesma agilidade
para a dança. Mas dançamos. Em breve, muito breve, teremos um filho. E
ensinaremos a ele tudo o que sabemos”.
Recorrentes as narrativas que trazem interrogações,
urgências, alumbramentos próprios da infância e da adolescência e que acontecem
em cenários corriqueiros, situações aparentemente simples, mas que sob o
pincel-pena de Carrascoza se adensam (ainda que leves), levando o leitor a
emoções sofisticadas – em especial aquele leitor “não subvencionado nem
corrompido” pela rasura planificadora dos dias que correm. É como “Ir de um
aqui a um ali, costurar as margens do cá às do lá”. Leitura precisa para quem
sente “a vida vindo, inevitável”.
Na equação nada matemática de Carrascoza, ou, melhor
dizendo, na palheta do autor, a escrita transparece como aquarelas, por aguadas
delicadas - escreve como quem pinta textos atravessados de silêncios, aclarando
perplexidades que não precisam ser ruidosas para dizerem a que vêm. Uma escrita
que pretende “despertar o outro para o que parece pequeno, mas que faz a
grandeza do rio: o peixe, as plantas das orlas, um pássaro solitário, as gentes
que nos acenam a distância, a diversidade dos remos, outras canoas que passam
por nós, pneus e sapatos flutuantes, essas coisas que fazem um rio ser apenas
rio”, disse o escritor em entrevista
concedida ao Comércio da Franca em Serviço.
Livro: O Volume
do Silêncio
Autor: João
Anzanello Carrascoza
Editora: Cosac
Naify
Preço: R$ 39 (no
www.submarino.com.br)
BIOGRAFIA
Nascido em 1962 na cidade de Cravinhos (SP), João Anzanello
Carrascoza começou a fazer literatura quando cursava a faculdade de Comunicação
na Universidade de São Paulo (USP). Foi vencedor no Concurso Nacional de Contos
do Paraná; no J.J.Veiga, no Eça de Queiroz, no Ignacio de Loyola Brandão, no
Guimarães Rosa-Radio France Internationale e indicado duas vezes para o Jabuti,
pelos os livros O vaso azul e Duas tardes). No ano passado conquistou o
terceiro lugar no Prêmio Jabuti, na categoria ''Contos e Crônicas'' com o livro
O Volume do Silêncio.
Publicou os livros de contos Hotel solidão (1994) e O vaso
azul (1998) e os romances juvenis A Lua do futuro (1995) e O jogo secreto dos
alquimistas (Atual, 2000), além de histórias infantis. Seu conto “Sinal dos
Tempos” foi escolhido para representar o Brasil, juntamente com textos de
Moacyr Scliar e Marina Colassanti na antologia de Cuentos Breves
Latinoamericanos (Coédición Latinoamericana, 1999) publicada em dez países de
língua espanhola, sob o patrocínio da Unesco. Também nessa década participou da
antologia Geração 90: manuscritos de computador, organizada por Nelson de
Oliveira.
Em 2002 participou do livro O Decálogo, primeiro volume da
coleção Prosa Presente, antologia de contos em edições temáticas da Editora
Nova Alexandria.
Seu volume de contos
Duas tardes foi publicado em 2004. Em 2006, a convite da Art Omi
International Arts Center, participou, como escritor-residente, do Programa Ledig
House - International Writer’s Colony, nos Estados Unidos.
Redator publicitário, João Anzanello Carrascoza já assinou
campanhas para Coca-Cola, ABN Amro Bank, Nestlé, Warner Lambert, Unilever,
Siemens, entre outras marcas. Ele é também professor há quase 20 anos na Escola
de Comunicações e Artes (ECA) da Universidade de São Paulo, onde fez mestrado e
doutorado em Ciências da Comunicação, integrando, atualmente, o núcleo de
pós-graduação stricto sensu da Escola Superior de Propaganda e Marketing.
*Escrito originalmente
para o Comércio
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