sexta-feira, 16 de outubro de 2015

UM CONTO PARA SEU FIM DE SEMANA

Retomamos a coluna "Um conto para seu fim de semana" com um texto inédito de Menalton Braff.

O QUARTO ESCURO


Quando o pai chegou do serviço, no meio da tarde, com sua altura pisando sobre sua sombra alongada, a mãe veio a seu encontro protegida por um avental manchado de água, com a boca cheia de notícias. Seu olhar derramava tristeza, mas também severidade. Não aguento mais com a vida deste menino, ela resumia com voz aguda de navalha todas as emoções do dia.

O pai, que arrastava uma sombra encurvada, ouviu em silêncio que a mãe não aguentava mais com a vida daquele menino, e as palavras da mãe endureciam os músculos do rosto de seu marido, que, aos poucos, tornavam-se rígidos, colorindo-se de granito.

Não me obedece mais, ele, esse aí.

O pai enxugou a testa na manga da camisa e olhou, do alto de sua altura olhou com olhos cheios de trevas.

Onde?, ele perguntou depois de ouvir a história toda.


Os três, tendo a mãe à frente, encaminharam-se quase a trote na direção do gramado ao lado da sala. E de longe o pai já pôde ver os estilhaços de vidro na estreita calçada que emoldurava a casa.

Ali, oh.

E não precisava que ela apontasse, pois era suficiente existirem como vestígio da desobediência. Bem que não tinha removido aqueles estilhaços nem permitira que o filho os removesse. Com eles, tinha a prova material da razão por que não aguentava mais aquele menino.

Mil vezes, um milhão, falei que fosse jogar bola noutro lugar. Alguém me ouve nesta casa?

Sem chegar muito perto, o menino olhava arrependido para o estrago que tinha causado. Ele assoou o nariz com os dedos e preparou-se para levar umas duas, três cintadas. Conformado, convencido de que as merecia.

Calados, agora em passo mais lento, deram a volta na casa para entrar pela porta dos fundos, a porta da cozinha. O pai na frente, a mãe no meio e o menino encerrando a fila.

À mesa de suas refeições, sentaram-se em silêncio. O menino ansiava por uma repreensão, umas duas, três cintadas ou as chineladas da mãe, mas não, estatuados e silenciosos é provável que estivessem inventando um novo tipo de castigo. Foi então que se iniciou o terror do menino. O silêncio é o que não se sabe, pode conter os enigmas mais obscuros, catástrofes e tragédias podem esconder-se nessa aparência do nada.

Cansado de esperar e sentindo que precisava novamente assoar-se, o pequeno levantou-se com intenção de ir ao banheiro, mas o pai por fim mexeu-se, e a mãe tirou o queixo de cima dos dedos cruzados, como gostava de esperar e observar, com os cotovelos fincados na tampa da mesa.

Já sei, foi o que a cozinha toda ouviu, vai ficar trancado na despensa, o quarto escuro. De todos os seus medos infantis, nenhum era maior do que o medo do escuro, morada de todos os seres tenebrosos, assombrosos, perigosos. O menino ao ouvir a sentença, mesmo sem ter ouvido o julgamento, petrificou-se, sem saber se fugia para o banheiro, se se botava a gritar, se pedia socorro à mãe ou piedade ao pai.

Levantando-se, o pai o tomou pelo braço e ordenou: Vamos.

Aquilo soou como sentença de morte. Vamos. Ele não moveu os pés, não moveu a vontade, mas seus olhos começaram a mover-se inundados e sua boca contorceu-se, deformada.

Ao chegar arrastado à frente da porta do quarto escuro, começou, com voz aguada, a gritar, Não, papai, não, papai, não, papai, e a mãe que já não aguentava mais aquele menino, em lugar de vir em seu socorro, lá de sua cadeira só repetia, É bom para que ele aprenda a obedecer.

Aberta a porta, o cheiro de mantimentos foi arremessado para fora ao mesmo tempo em que o escuro engoliu o menino, que, jogado com brutalidade no calabouço, ainda teve tempo de ouvir o clique metálico da chave.

Seus berros e pedidos de socorro só muito abafados chegavam ao mundo onde havia claridade. Mas ele não sabia disso e continuou berrando e pedindo socorro.

Quando cansou de chorar sentado com as costas escoradas em uma prateleira, deitou-se perto da porta por debaixo da qual entrava um filete salvador de luz e uma débil corrente de ar fresco, com que enchia os pulmões para suportar os solavancos dos soluços. Por ali também chegavam restos de vozes humanas, pedaços incompreensíveis de palavras, que lhe vinham de muito longe.

Então, antes de adormecer, concebeu planos de vingança, pensamentos muito maus.

Quando horas mais tarde vieram abrir-lhe a porta para o jantar, ele saiu caminhando sobre passos duros e já não era mais filho daquele casal.

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