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Boa leitura!
O fantasma
da segundona. Menalton Braff
1. Enfim, o resultado
Peço a minha mãe que não conte nada a ninguém. Ela faz uma
careta de deboche, me baba uma porção de beijos nas bochechas, mas promete. Não
pode me tirar o prazer da surpresa. A notícia é minha e vou divulgar para quem
e quando eu quiser.
Estava lá, com todas as letras do meu nome. Maurício Andrade
da Silveira. É impossível um xará de nome inteiro. Abro a porta e me lembro de
que deixei a carteira em cima da cama. Volto correndo e a apanho. Estou com
pressa, porque a cambada já deve estar no restaurante. Não conferi todos os
nomes, por absoluta falta de tempo. Tenho a impressão, contudo, de que todos da
minha turminha passaram. Pelo modo como aceitaram meu convite: dúvida nenhuma.
O
pessoal está numa vibração só. A esta hora o trânsito está um pouco pesado.
Muita gente correndo atrás de comida. Eu quero é comemoração. Já estou cinco
minutos atrasado. Parece que o farol fecha de propósito quando me vê.
Ali na frente o posto de combustível. Viro à direita e me
livro desse congestionamento. Que droga! Aquele carro azul bateu na traseira da
caminhonete. E os caras vão querer brigar. Uma rápida manobra, passo apertado
entre dois ônibus e me livro do acidente. Caramba!, eles vão conseguir piorar o
trânsito. Falta de atenção.
Apesar do meu atraso, ainda sou o primeiro a chegar. Aí vem
o Marcão a pé. Ele mora aqui por perto. Ergue o braço e se anuncia como se
fosse preciso. O cara joga basquete na escola.
Deixo o carro estacionado na guia e volto pulando, erguendo e abaixando
os braços. Entrei, eu grito, e ele responde, Eu também. Nossos abraços são um
pouco violentos, com barulho de mãos nas costas, mas vale a pena. Nós
merecemos. Passamos este último ano em cima dos livros, sem domingo nem
feriado. Nos ferramos de tanto estudar. É a hora de fazer festa.
Só podia ser ele, o Adalberto, pra chegar buzinando com
tanto espalhafato. E não vem sozinho, o Meio-quilo. Mas não deu pra ver quem
era. Deixa o carro atrás do meu. Ah, sim, é o Telmo que vem com ele. O Marcão
vai ao encontro dos dois, era da mesma classe do Telmo: são muito amigos.
Comemoramos com gritaria e gargalhadas, e nos abraçamos, e
pulamos, nós quatro, com nossos rostos pintados de alegria. Já estamos entrando
no restaurante e chegam os quatro que ainda faltavam. Nossa turma está
completa.
O garçom nos traz o cardápio e em volta da mesa todos ficam
à espera de que eu indique o que vamos comer e beber.
− Você que já rodou o mundo, Maurício. Vê aí o que é melhor.
Às vezes tenho a impressão de que eles me têm amizade e
respeito não por mim, mas pelo prestígio de ter viajado o mundo, comendo nos
melhores restaurantes de muitas cidades do exterior. Começo a ler em francês os
nomes dos pratos e meus amigos me imitam caricatamente com os lábios fazendo
biquinho. Fecho o cardápio bruscamente, encaro a turma e me declaro ofendido.
Eles param de rir e com voz dura encomendo o badejo a bonne femme. A mesa
parece que vai sair voando, tal a trepidação com as gargalhadas.
− Isso é de comer? –, eles me perguntam.
− Ó, Maurício, sem frescura que estou é com fome, entendeu?
Discuto com o garçom o que pode acompanhar o badejo, escolho
algo mais substancial, que a meninada aí não é de comer com as pontas dos
dedos, eu bem que conheço a todos.
− E o vinho... –, o garçom ao lado anotando, mas não posso
continuar.
− Para com isso, Maurício! Se você quiser que tome vinho. A
galera aqui vai é de Isolado no gosto, me curvo e peço cerveja, mesmo sabendo
que uma bebida mais condizente com o prato é um bom vinho. Mas nossa turma não
é muito de finezas, esse negócio de combina ou não combina. E o garçom se
afasta com nosso pedido. Ninguém pede nada diferente, coisa que facilita seu
trabalho.
Descubro no relógio do Telmo que já são três horas e, além
da notícia a meu pai, que ainda não sabe de nada, nossa comemoração começa a
ficar pesada. O pessoal não conhece limites. A um sinal meu, o garçom se
aproxima com o rosto sinalizando seu desagrado por causa de nossa algazarra.
Ele não pode imaginar até que ponto temos necessidade de explodir nossas
emoções. Mas ainda tenho de dar a notícia a meu pai. Ele não está sabendo de
nada.
Pagamos e começamos a sair, na frente de todos, e com mais
pressa que meus amigos, saio para a tarde de um sol agressivo, que me ofende os
olhos turvos. Meus amigos que chegaram a pé exageraram na cerveja, mas eles não
precisam dirigir.
Não é sorte, é a hora e o dia. Manobro e estaciono à sombra
de uma canelinha. O shopping fica mais movimentado daqui umas duas horas. O
povo das lojas, dos escritórios e das escolas começa então a chegar. No meio do
corredor, na frente do cinema. Já vejo daqui o letreiro KAMANGA - artigos
esportivos. Quase tropeço na mulher com o carrinho de neném: eu, olhando o letreiro
do meu pai; ela, devassando as vitrines.
Paro na porta e dou um grito. Sei que é exibicionismo, mas
não me contenho. Que saibam todos.
− Entrei!
Lá no fundo, atrás de uma escrivaninha, meu pai ergue a
cabeça, e me parece que um pouco assustado. Não é todo dia que lhe aparece um
filho gritando na entrada da loja. Alguns dos empregados, os que não estão
atendendo ninguém, se aproximam com ar de festa. Meu pai guarda um papel na
gaveta, levanta-se e vem com sorriso exposto no rosto. Ele já entendeu o que
acontece.
Começo a receber os cumprimentos, com abraços, tapas nas
costas, apertos de mão, palavras apropriadas para a ocasião. Meu pai chega e me
ergue no ar. Apesar de seus quarenta anos, conserva-se um homem forte. Os
clientes não entendem nada, mas alegria é uma coisa de fácil contágio, e a loja
fica parecendo um clube em dia de comemoração.
− Churrasco no domingo, pessoal. Lá em casa.
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