sábado, 5 de dezembro de 2015

RESENHA DA SEMANA

De nunciaturas             

Foi o Deonísio da Silva, o irreverente, quem o apodou.  Gostamos, e até hoje não consigo me lembrar do Antonio Skármeta sem que o Núncio Apostólico criado pelo Deonísio me venha junto. Aquele sorriso meio maroto por baixo do bigode num rosto de bem nutrido, com a calva exposta e sem rebuço, realmente caiu-lhe bem a alcunha.
Muitos de vocês devem estar lembrados do Núncio Apostólico em Ribeirão Preto, como convidado de uma das Feiras do Livro passadas. Comemos, bebemos, conversamos com o autor do conhecidíssimo O carteiro e o poeta, popularizado por filme homônimo. Pouca gente sabe, entretanto, que Antonio Skármeta é um dos nomes de maior relevo da literatura chilena. Além de O carteiro e o poeta, são de sua autoria romances como Não foi nada, A velocidade do amor, As bodas do poeta, A garota do trombone, O baile da vitória e outros, muitos outros.
Foi de Antonio Skármeta o romance de 1982 que acabei de ler, e sou obrigado a me confessar encantado cada vez mais com sua literatura. A insurreição tem como fundo histórico nada mais nada menos que a Revolução Sandinista, assunto que, em literatura está a um passo do precipício panfletário. Não foi o que aconteceu.
A ação está centralizada na cidade de León, na costa oeste da Nicarágua e perto do lago de Manágua. A época tem como acontecimentos principais a luta armada dos sandinistas até a derrubada de Somoza.
As personagens do romance são principalmente pessoas do povo que de forma indireta, com membros da família, pequenos atos e muitas vezes apenas com sua opinião, participam da revolução. Mas há também o quartel, centro da repressão, personificada no capitão Flores e a truculência de seu sargento. Das montanhas chegam os poemas que Leonel, ex-estudante de direito envia (e nem sempre chegam) para Vicky, por quem é apaixonado. As famílias, suas relações em tempo de guerra, os apertos, tristezas e alegrias, vão desfilando na medida em que o romance progride.
O que talvez haja de mais notável neste romance é o tratamento que Skármeta dá à linguagem. Em momento algum faz discurso pró ou contra ninguém. Ele apenas relata os fatos, e seus comentários são sempre carregados de um fino humor e muita ironia. Mais ainda: há momentos de intenso lirismo, a despeito do tema principal: a guerrilha que depôs Somoza, o ditador.
Bella Jozef, professora da UFRJ falecida em 2010 e uma das maiores especialistas em literatura latino-americana, na orelha do livro assim se manifesta:
Não constrói um mundo mítico para aludir à realidade. Parte do cotidiano e, perseverante em sua verdade, resolve as discussões sobre a relação literatura/sociedade, compartilhando com o leitor a experiência do mundo. Parte do real e volta a ele com novas significações. A cada instante, o tom justo para fazer-nos participar das angústias, esperanças de homens e mulheres − seres comuns de carne e osso − em convivência plena com a realidade.
Alta literatura. Um romance sobre paixões que apaixona. 

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