sexta-feira, 1 de janeiro de 2016

DEGUSTAÇÃO 11 - TAPETE DE SILÊNCIO

No primeiro dia do ano, vocês irão degustar TAPETE DE SILÊNCIO - o primeiro romance da trilogia "Tempus Fugit", lançado pela Global, em 2011, e finalista do Jabuti 2012. No dia 22 de dezembro, publicamos aqui o primeiro capítulo do segundo volume da trilogia: POUSO DO SOSSEGO.

Para saber mais sobre as duas obras, acesse as páginas do livro aqui no BLOG DO MENALTON:


Tapete de Silêncio – Menalton Braff

Capítulo 1

Esta chuva surpresa nenhuma, aquelas nuvens grossas amontoando-se a tarde toda no topo do morro escuro. Primeiro aviso se formando além da Vila da Palha, no alto. Então pensei, vai chover. Depois o vento frio que varreu por baixo, a rua, arrepiando os braços da cidade. Da porta do armazém eu olhava na lonjura o morro: esta noite vai chover. A gente sentia com a pele, o sentido, mesmo sem pensamento, nosso corpo. E chovendo, assim, a cidade toda no resguardo, a televisão na sala. Com sol ou chuva, o recado firme pra nossa turma. De hoje não passa, o safado. Na praça, o banco debaixo da seringueira.

E olha só, o Leôncio. Ele, porque a barbearia aqui perto, central. Barbearia Central, com letras pretas e grandes. Se levanta e me aperta a mão com a maciez da sua quente e seca, guardada no bolso. Sentamos no banco de falso granito: Armazém Figueiredo, acho que meu avô, este banco.
E se alguma coisa der errado, Osório?, o Leôncio, eu não vejo os olhos dele, mas sei que me olha
com ansiedade. Como responsável pelo grupo, não posso fraquejar e respondo que não, tudo está calculado, meu plano, apesar de sentir no estômago uma frieza que, bem medida, pode ser chamada de medo, pois somos pessoas de obrar dentro da ordem.
    
Se eu tivesse certeza do que disse, me botava a falar positivo, meu falar com império. Me escondo por baixo de um tapete de silêncio, escondido. O plano parece bom, eu penso, o problema são os imprevistos. A gente nunca espera, mas tem de contar com eles. Ficamos calados, nós dois, ouvindo o chiado da chuva. A voz da televisão mal chega até aqui, amortecida pelas venezianas fechadas, um sinal muito fraco de vida por trás das paredes. A cidade se encolhe na umidade dos telhados e das ruas, onde postes magros, solitários, projetam uma luz amarela, dependurada, quase inútil, que as lagoas da calçada timidamente multiplicam. Tem de dar certo.
 
Agora as folhas da seringueira já perderam a competência de reter a chuva no alto, acima de suas cabeças, eu digo, Vamos, e saímos duas sombras a correr, que merda, estes vinte metros por baixo das nuvens para o coreto e enxugamos o rosto e os braços com mãos ofegantes.

Estraga não, a chuva. A cidade toda se esconde atrás de paredes e cortinas, suas gelosias fechadas: o conforto doméstico. Isso até ajuda nosso plano. Aqui sim, aqui se pode esperar o tempo, sem olhos noturnos de testemunhas. A noite, por si só, a noite é proteção para transgressões de leis e regras, na temerosa opinião de algumas pessoas, mas quando chuvosa, como está, tudo apaga, a noite, e a existência do mundo é como se ele não existisse além do que vemos e fazemos. Estamos sozinhos no mundo, este nosso aqui, e vale apenas a vontade de cada um. O que se ouve, o que ouvimos é o chiado da chuva. Nem cachorro levanta a voz contra uma noite assim feia. 

A torre da igreja, logo ali, parada e muda, por trás dos ramos pensos do chorão mexicano e das altivas sete copas com seus vários e soberbos pisos, dá súbito uma só batida do ponteiro, então confiro a hora que se agita entre estes galhos aí, com as folhas brilhantes. Cedo ainda. Os outros têm coisa de vinte minutos pra chegar. Vêm, sim, que ninguém é feito de açúcar.

O Leôncio bota um cigarro na boca. Suas feições ansiosas se desmancham nas sombras. Seguro seu braço e cochicho, Faz isso, não, brasa é uma coisa que se vê de muito longe. Depois de guardar o cigarro no maço, ele ergue os olhos na direção da torre. E o padre, hein, sabendo de alguma coisa? Não corre segredo pela cidade que não venha dormir no confessionário. Acho que ainda não. Mas vai saber. E fica do nosso lado, pode sossegar. De falar no púlpito? Não, claro que não. Nem tudo que se pensa se diz, ainda mais em público.

Meu amigo se coça com barulho de unhas na pele, o Leôncio, que fede a sarro de cigarro quando a barba, ele raspando a navalha, deve fazer muita força pra não acender o cigarro, como pedi. Preocupado com o padre. E esse, batizou e casou praticamente a cidade inteira, ele, que existe como se fosse a cidade, sempre sabendo, uma vida toda prometendo prêmios e castigos, desde que a cidade existe. Por isso mesmo é que mantém nas manoplas quase todas estas almas de pouca densidade. Chegou da Espanha eu ainda não tinha nascido, ou tinha?, e desde então predica na cidade. Chegou cheio de Europa, um missionário, o padre Ortega. Veio salvar do fogo eterno estes seres de pouca fé. Ele diz. Vocês não são religiosos, os mais velhos, eles que ouviam. Vocês não são religiosos, repetia com seu forte sotaque dos primeiros anos, vocês são místicos, bando de fetichistas, e da religião só querem saber das aparências, se satisfazem com o ritual. Quando falava fetichistas, a maioria fazia o pelo sinal, porque era uma palavra que ninguém jamais tinha ouvido. E a imaginação do inferno bem perto deixava muita gente com dor de barriga.

Meu avô venerava o padre Ortega − um santo. Ele não confessava, mas sua esposa, quando eu sentava em seu colo, dizia, Seu avô não era capaz de pentear o cabelo sem perguntar ao padre se podia. Hoje penso que era por causa da língua. Os santos que são assim: falam uma língua com sotaque − o sotaque da santidade. E aquela linguagem de cigano lhe dava certa aura de um ser misterioso, mais encostado no céu do que enterrado na terra. Minha avó contava e ria com alegria nos olhos e nos lábios. Minha avó era um ser aberto cheio de luz. Soberba. Ouvi dela muita crítica às beatas que disputavam intrigantes e maledicentes cada centímetro do entorno do padre. Ele devia ter consciência da adoração que provocava, mas deixava-se adorar em benefício da igreja e para não espantar o rebanho, pois um homem lúcido, como ele, sabia muito bem que não era um santo.

Depois de uns anos, aí eu já me lembro, padre Ortega era chamado de padre Ramón, um modo mais íntimo de a gente se referir a ele. Naquela época, começava a se apagar a imagem de um homem misterioso, mantendo, porém, a condução espiritual do rebanho. Muito rígido até mesmo com o círculo dos mais próximos. De ninguém admitia relaxamento nenhum. Ficava muito vermelho, como se fosse explodir. Então erguia aquela mão imensa até perto do céu e repetia, Bando de infiéis, seus fetichistas, com aquele sotaque e a voz de trovão que ele tem até hoje.

Quarenta e cinco anos, sim, senhor, quarenta e cinco anos ditando o certo e o errado, ligando ao céu este pedaço aqui da terra, isso deu a padre Ramón Ortega uma autoridade que ninguém questiona. Tanto nas coisas do espírito como nas questões práticas da vida ele domina o povo daqui. Lá pelos meus quinze anos, me lembro bem, ele só almoçava aos domingos na casa do doutor Madeira, no sítio dos irmãos Alvarado, com o prefeito da época, qualquer que fosse, na casa dele. Padre Ramón foi ficando muito amigo dos grandes da cidade, e me parece que foi o resultado desse convívio, muitas vezes bem íntimo, o afrouxamento de seu ímpeto de jovem guerreiro da fé e dos bons costumes. Começou a relaxar, as penitências aliviadas, as mãos menos altas, um sorriso mais mole no rosto vermelho. Mesmo assim, manteve muito bem afiado seu serviço de informações. Aqui nada acontece que ele não fique sabendo.  

Meus braços, depois desta corrida, estão frios úmidos, por isso esfrego minhas mãos ásperas neles, arranhando, e a sensação de frio diminui. Este aí, o Leôncio, deve sentir mais medo do padre do que frio no corpo magro. Ele e seu cheiro permanente de pós barba. Quase nunca fico perto: o asco. Um homem perfumado. Não demora muito os outros começam a chegar. Prazer nenhum eu sinto numa tarefa como esta, mas é ordem do doutor Madeira, e com ordem dele não se brinca. Prazer não é o mesmo que necessidade. Ninguém toma remédio por prazer, seu Osório, ouço a voz dele dentro de mim. Preciso me concentrar, e este Leôncio fala mais que a boca. Me sinto sujo e a barba de dois dias me incomoda. Homem do comércio. Minha mulher acha que existe uma raça de homens que é do comércio, uma raça que tem de fazer a barba todos os dias e se vestir sempre como se fosse a uma festa. Sei que neste escuro ninguém vai ver nada disso, mas mesmo sem ver eu sei e isso me incomoda, como se a Matilde, aqui resmungando.

Meus olhos ardem com tanto brilho. Da frente das casas, do alto dos postes, de todo lugar vem o brilho das lâmpadas, que se mistura aos pingos oblíquos da chuva, às poças na rua, às folhas envernizadas das árvores. Multiplicação sem fim. Aperto as pálpebras, fugindo, mas no escuro do esconderijo ainda vejo fagulhas de luz que se agitam como numa chuva de estrelas. Do que preciso, mesmo, é de dormir. Dias e noites. Minha cabeça desde ontem não produz pensamentos agradáveis, no entanto, não para de pensar, aos tropeços e sem pausa nenhuma. Não descanso, e até meu pescoço eu sinto que vai endurecendo, como um torcicolo. Meu corpo todo é um torcicolo. Ainda mais com este frio. O Leôncio me imita e esfrega as mãos macias e quentes nos braços e diz alguma coisa a respeito do frio, mas não consigo entender o que ele cochicha, por isso respondo que é claro, uma hora o padre Ramón fica sabendo, não vai, apesar disso, condenar ninguém pelo que vamos fazer.

Um homem, este aqui, quase encostado em mim com seu perfume, escorado como eu na mureta baixa do coreto, um homem assim não tem certeza de nada, por isso faz muita pergunta. Desde garoto que me lembro dele perguntando. Ele está quieto agora, inventando pensamento de medo, quem sabe, porque se preocupa com o padre, achando que é o mesmo que nós víamos na infância, de rosto grande e vermelho, iluminado pelo sol oblíquo que entrava pelas janelas. Ele não percebe as mudanças na vida de Pouso do Sossego desde as eras. Dava medo, outrora. No meu tempo de garoto, nosso tempo, que o Leôncio regula de idade comigo, todos na cidade tinham muito medo do padre Ortega. Os sermões naquela língua cigana dele pareciam abrir as portas do inferno. Pode ser que um pouco por causa da língua − algumas pessoas se vangloriavam de entender tudo que ele dizia. Mas o medo, principalmente, o que provocava era o trovão de sua voz. Ele acusava a todos os fiéis de pecadores e ameaçava com a porta fechada do céu para aqueles que não confessassem quaisquer pecados, mesmo os mais insignificantes. Em tudo quanto era lugar o assunto era o sermão do último domingo. Lá em casa só se falava do padre Ortega em voz baixa. A cidade anoiteceu de tanto medo. 

Mas isso só aconteceu no início, nos primeiros anos. Foi uma onda de delações, de acusações e confissões que transtornou a vida de todo mundo. Ninguém queria ficar de fora, rejeitado pelo paraíso. Só no início.

Às vezes o padre queria fazer graça e tropeçava nas pessoas. O jeito dele, seu jeito mesmo, era a rispidez e as ameaças. Nisso ele era bom. Um dia em plena missa, na frente da cidade toda, ele perguntou pra mãe do Leôncio, Tá com vontade de me mostrar as pernas? E soltou uma gargalhada. 
A coitada, com o pensamento distraído nas coisas sagradas, se esqueceu de puxar a saia pra baixo e esconder os joelhos. Ela ficou tão atrapalhada que até o fim da missa não se levantou mais, abobalhada de vergonha, que é um estado de choque. Desde garoto que este Leôncio tem medo do padre. A história do corridão no bispo deve ter começado nos joelhos da mãe do Leôncio, porque o povo daqui, este povo reprimido, adora aumentar malícia no que vê e no que inventa.
Ele diz alguma coisa que eu não entendo, porque a chuva cai agora com mais barulho e além disso o Leôncio cochicha pra dentro, sem voz de humanidade. Então eu digo pra ele repetir mais alto, e ele pergunta, E essa Lúcia, hein, Osório, o que é que você me diz, hein?

Não gosto de conversa com sombra porque palavra tem asa e dissimulação. Eu fico adivinhando um sorriso torto de malícia no rosto do Leôncio e imagino um início de zombaria, nascente escárnio, por isso me fecho em carranca no exercício de minha ira, que ele não pode ver. Escuta aqui, Leôncio, se você é esperto, não faça mais essa pergunta, está me ouvindo? Nem toque mais nesse assunto. A Lúcia foi fazer um curso nos Estados Unidos, e nós não temos nada com a vida dela. Nos Estados Unidos, Leôncio, um curso. Espero que você tenha entendido direito o que eu disse. A barbearia é um lugar por onde passa muita gente, quase a cidade masculina toda, e o doutor Madeira tem uma enorme consideração por você, não é mesmo? E tem mais: vê se não grita meu nome pra cidade toda ouvir, certo?

Ficamos outra vez por algum tempo com os ouvidos cheios do chiado da chuva, o Leôncio assimilando a dura que dei nele, e eu envolvido com meus pigarros, uns pontos de exclamação bastante roucos. A conversa volta lenta e difícil, nós dois procurando rumos diferentes, no início, com volteios sobre o tempo, a carestia, sem muita certeza do que se pode falar, até que descambamos para a excitação estúpida do povo com o aparecimento do circo e suas atrações. Fazendo fundo pra nossa conversa difícil, o chiado monótono e frio da chuva.

Tudo começou com este circo maldito chegando a Pouso do Sossego, por isso acho que é assunto perigoso. É preciso caminhar descalço e desviando-se das pedras, porque ele está tão ligado a tudo que aconteceu com a Lúcia que falar dele e dela é quase a mesma coisa. Preciso de um desvio, caramba, e rápido. Por isso pergunto ao Leôncio se ele se lembra do professor Ernesto, o professorzinho de bigode. E ele responde que sim, ora, quem não se lembra?! Apesar do tempo que já passou, uns vinte anos. Como se fosse hoje. Mal chegou, já queria transtornar os costumes da gente, hein, Leôncio. Achando que isto aqui fosse terra de qualquer um: é chegar e tomar conta. Saiu escorraçado, sem tempo nem de se despedir. Aquele professor Ernesto quis trazer regras de fora, hein, Leôncio, mudando o regime de autoridade de Pouso do Sossego. Você se lembra da maneira como ele foi posto pra fora? O Leôncio não urra nem mia, por isso tenho a impressão de que ele está concordando com a cabeça, só com a cabeça, que não tem som algum nesse escuro. Dois, três segundos e ele se toca. Ora, e não ia me lembrar? O caminhão deixou a cidade eram umas cinco, seis horas da manhã. Ele ia em cima da mudancinha dele, que não dava pra mobiliar uma sala. Me lembro bem dele, principalmente por causa do bigode, que ele mandava aparar quase cobrindo o lábio. Rimos em comemoração da lembrança um riso de muita intimidade, sem o exagero de volume, como tem de ser, um riso gostoso, de muita satisfação. Acho que o Leôncio já desemburrou.     

Do professor Ernesto, a gente ficou se lembrando aos farrapos e voz baixa, comentando contentes, tropeçando nos fantasmas das nossas recordações. Ele veio trabalhar em Pouso do Sossego no início da carreira. Chegou com a juventude ainda ardendo, e, inflamado pelo espírito do progresso pôs-se a trabalhar. Por que será, hein, Osório, que isso acontece? Isso o quê, Leôncio? Cada início de carreira é uma tentativa de salvar a humanidade, hein, Osório. Sei lá. Eu também comecei pensando que o comércio, depois de mim, ia ser diferente. E taí, só eu mudei, e isso porque já tenho rugas no rosto e cabelos começando a branquear. Quanto ao mundo, continua no mesmo lugar.

O Leôncio fica um tempo mastigando minhas palavras. Ele é muito lento. Parece que de vez em quando resmunga. Não sei, porque ele resmunga é pra dentro. De repente ele pigarreia e diz que não concorda muito, que o mundo, hoje, não é bem igual ao que já foi. Pergunto diferente em quê, e ele não sabe responder. Eu acho que a chuva vai parar. Agora um ventinho frio e rasteiro.
E continuo pensando no professor Ernesto. Mas ele, o professor, confundiu a realidade que via com a própria realidade, sem saber que nem tudo se vê. Você não acha, Leôncio? Pois é. Toda cidade dorme por cima de canais subterrâneos, meu caro, e que não são apenas do esgoto. E aqui por baixo de Pouso do Sossego correm galerias de bitolas variadas, e todas tão bem protegidas que um forasteiro como ele jamais vai perceber.

Quando ele começou a visitar um e outro, aliciante, propondo uma espécie de confraria formada pelos notáveis da terra, prometendo ligações no país e no exterior, você se lembra?, ele, cego de juventude, não via que na cidade já estava assentado quem é que mandava e quem obedecia, quais as conexões eram permitidas, o que era virtude ou pecado. Coitado! Com as relações que mantinha dentro e fora do país, aceitava o sacrifício de liderar a organização. Veja só a ousadia do rapaz. No sobrado quase em frente à igreja, do outro lado da praça, o dr. Madeira recebia relatórios diários daquela campanha infiel, e lá da farmácia, na esquina da rua do comércio, o Laerte contava ter ouvido muitas vezes as gargalhadas que subiam do sobrado e inundavam o centro da cidade da mais alva alegria, fruto alvar da ordem e da segurança que elas produzem. 

Meu pensamento agora escorre lembranças molhadas pela chuva que volta a cair de viés: um vento frio. Na primeira reunião secreta convocada pelo professor (ele tinha feito dez convites pra membros ilustres da sociedade pouso-sosseguense, tendo comparecido apenas quatro pares de olhos amedrontados), um dos quatro disse a ele que o doutor Madeira não estava gostando dos boatos que ouvia. Cuidado, seu Ernesto, que ele não aprecia muito as coisas que vêm de fora, novidades. Não foi assim?

Foi bem assim mesmo, porque eu estava lá. O Leôncio foi testemunha do fato, que narrou centenas de vezes na barbearia, acrescentando, com o passar do tempo, detalhes que se perdiam na memória e que a imaginação inventava. Doutor em quê, se ele é apenas um fazendeiro? Ele não me assusta, não. Até onde investiguei, ele não é formado em nada e não está investido de autoridade nenhuma. Veja só o atrevimento do forasteiro. Coisas de quem é jovem e inexperiente, não acha?
Naquela mesma noite, depois de receber a visita do doutor Madeira, aceitou os dois ajudantes pra encaixotar tudo que tinha trazido, porque de manhã, bem cedo, o caminhão vinha buscar ele. Foi ou não foi?

Tenho de cutucar os vazios do Leôncio com o cotovelo e mandar que ele ria mais baixo. E saiu agradecendo a gentileza, o Leôncio repete, a gentileza, e por pouco não se fina de tanto rir. Sim, porque, numa noite chuvosa como esta, ter de ficar preso dentro de um coreto até meia-noite ou mais, não há melhor companhia do que umas gargalhadas quentes e grossas.


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