segunda-feira, 5 de junho de 2017

ORELHA

Esta coluna reúne orelhas de livros escritas por Menalton Braff. Os dados do livro estão ao final do texto. 


À sombra das taquareiras

            Já tinha lido, há cerca de dois anos, os contos do Fernando Neubarth, que não conhecia, na época, apesar de taquarense, como eu, e que continuo conhecendo apenas de texto, quem pode prever as marotices do destino? Circunstâncias tão fortuitas então como agora, impediram-me de me ocupar deles àquela altura, o que faço hoje com mais propriedade, talvez, o fôlego no ritmo certo. O Fernando, sem querer, é claro, contou as histórias da minha infância, deu vida a personagens que povoaram meus verdes anos à sombra das taquareiras.  À sombra das tílias, em alguns sentidos, vem atar as duas pontas da minha vida.
            Existe na sintaxe do Fernando um certo sabor de madrugadas minuanas; seu léxico é inegavelmente sulista, localizado; tipos, costumes, tudo vem à tona de sua literatura com força telúrica, emerge, para mim, de um passado que não se quer findo, porque se sabe humano. Uma leitura mais apressada poderia classificá-lo como mais um autor regionalista, escritor representativo de grupos minoritários, de que existe fartura no Rio Grande do Sul. Mas seria uma leitura inadequada.
            O conto A louça inglesa, com seu sotaque alemão e alusões a costumes geograficamente determinados, esconde, por baixo de seu veludo, a tragédia da decadência, da fatalidade da velhice. A ferina ironia final do Dr. Fieber (Esses lampejos de lucidez) nos revela com a arte de que o Fernando

é um mestre, o quanto existe de universal nessas figuras regionais. A frustração de Dondorlei,  em Dondorlei e o cometa, ao perder sua epifania por causa de uma vaca fujona não é do filho de imigrantes alemães no Rio Grande do Sul. É um exemplo dos “gestos falhados”, é a frustração do ser humano, quando vê mais um sonho esboroar-se.
            O mistério da morte é outro dos temas universais com que o autor trabalha em vários contos. Retorno ao pó, com o filho do coveiro assistindo ao enterro do próprio pai, com a passagem do tempo como subtema; e, mais à frente, Doçura guarda-se em vidros weck, verdadeiro emblema do tempo que não se quer passageiro, as velhinhas que se eternizam em uma reação misteriosa (ou não) contra aqueles que as querem existentes apenas na memória.
            Não é o caso de comentar um por um todos os contos, todos igualmente densos, cheios de uma seiva humana que o autor registra enquanto é tempo, enquanto não submerge na areia movediça da memória.
            Ocioso falar de Marcel Proust, quando o passado nos chega em detalhes vivos e muito bem anotados por quem se fez observador deste mundo em que vamos mergulhados, que o ser humano só tem existência em algum tempo, em algum lugar.
                                                                              ***

Título: À sombra das tílias
Autor : Fernando Neubarth
Editora: Ws
Gênero: contos
Ano: 1999

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