À sombra das taquareiras
Já
tinha lido, há cerca de dois anos, os contos do Fernando Neubarth, que não
conhecia, na época, apesar de taquarense, como eu, e que continuo conhecendo
apenas de texto, quem pode prever as marotices do destino? Circunstâncias tão
fortuitas então como agora, impediram-me de me ocupar deles àquela altura, o
que faço hoje com mais propriedade, talvez, o fôlego no ritmo certo. O
Fernando, sem querer, é claro, contou as histórias da minha infância, deu vida
a personagens que povoaram meus verdes anos à sombra das taquareiras. À
sombra das tílias, em alguns sentidos, vem atar as duas pontas da minha
vida.
Existe
na sintaxe do Fernando um certo sabor de madrugadas minuanas; seu léxico é
inegavelmente sulista, localizado; tipos, costumes, tudo vem à tona de sua
literatura com força telúrica, emerge, para mim, de um passado que não se quer
findo, porque se sabe humano. Uma leitura mais apressada poderia classificá-lo
como mais um autor regionalista, escritor representativo de grupos minoritários,
de que existe fartura no Rio Grande do Sul. Mas seria uma leitura inadequada.
O
conto A louça inglesa, com seu
sotaque alemão e alusões a costumes geograficamente determinados, esconde, por
baixo de seu veludo, a tragédia da decadência, da fatalidade da velhice. A
ferina ironia final do Dr. Fieber (Esses lampejos de lucidez) nos revela com a
arte de que o Fernando
é um mestre, o quanto existe de universal nessas figuras
regionais. A frustração de Dondorlei, em
Dondorlei e o cometa, ao perder sua
epifania por causa de uma vaca fujona não é do filho de imigrantes alemães no
Rio Grande do Sul. É um exemplo dos “gestos falhados”, é a frustração do ser
humano, quando vê mais um sonho esboroar-se.
O
mistério da morte é outro dos temas universais com que o autor trabalha em
vários contos. Retorno ao pó, com o
filho do coveiro assistindo ao enterro do próprio pai, com a passagem do tempo
como subtema; e, mais à frente, Doçura
guarda-se em vidros weck, verdadeiro emblema do tempo que não se quer passageiro,
as velhinhas que se eternizam em uma reação misteriosa (ou não) contra aqueles
que as querem existentes apenas na memória.
Não
é o caso de comentar um por um todos os contos, todos igualmente densos, cheios
de uma seiva humana que o autor registra enquanto é tempo, enquanto não
submerge na areia movediça da memória.
Ocioso
falar de Marcel Proust, quando o passado nos chega em detalhes vivos e muito
bem anotados por quem se fez observador deste mundo em que vamos mergulhados,
que o ser humano só tem existência em algum tempo, em algum lugar.
***
Título: À sombra das tílias
Autor : Fernando Neubarth
Editora: Ws
Gênero: contos
Ano: 1999
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