Raramente se sabe de um autor que
tenha planejado um livro de contos antes mesmo de começar a produzi-lo. Conheço
dois, três casos em que isso acontece. Autran Dourado, Luiz Ruffato são
exemplos de livro de contos que seguem uma linha pré-determinada.
Meu caso, parece-me que seja o
mesmo da maioria dos contistas. Os contos vão pedindo passagem sem lembrar-se
de contos anteriores. Não existe uma linha. O que há é a ideia do momento,
independente, sujeita ao caldo em que se mergulha, as circunstâncias
motivadoras daquele assunto.
Desde nossa mudança para Serrana,
em 1987, não conseguia mais escrever. A mudança drástica no modo de vida,
rotina inteiramente outra, ambiente diferente, pessoas estranhas,
incertezas
quanto ao futuro, enfim, nada ajudava o surgimento de alguma ideia
aproveitável.
Mesmo assim, continuei tentando. Um
parágrafo, uma página, algumas centenas de palavras. Mas isso tudo não passava
de exercício. Eu sabia que não deveria perder o hábito de registrar palavras no
papel. Naquele tempo era datilografia.
Nessa época, passei por outra crise
que me derrubou ao mesmo tempo em que me salvou. Meus dois primeiros livros
tinham sido produzidos sob uma forte influência de convicções políticas, e
estava convencido de que o escritor tinha a missão de conscientizar o povo.
Muitas leituras depois, comecei a entender que visão de mundo pode ter
influência de ideologia, mas é maior do que isso. O ser humano é anterior a convicções
políticas. Então, sem abandonar minhas convicções anteriores, comecei a ver a
arte de modo diferente e isso me fez inflectir o que considerava literatura em direção
diferente.
A partir dessas mudanças, passei a
pensar a literatura como fundamentalmente um objeto estético e não um veículo
de divulgação de ideias. Ou, pelo menos, que a veiculação de ideias (e não
existe grau zero) teria de ser secundária, isto é, o plano da expressão como
prioridade do objeto estético secundado pelo plano do conteúdo.
Foi quando me ocorreu uma cena que
há muito tempo havia surgido na mente. A mulher lavando os pés do filhinho,
depois jogando a água da bacia pela janela. Muitos anos essa imagem me
acompanhou. Então resolvi escrever e criei O elefante azul.
Já eram anos que não conseguia
produzir nada quando consegui esse primeiro conto, que me agradou. Me parecia
que eu havia encontrado meu caminho. Continuei lendo muito e eventualmente surgia
um tema e produzia outro conto.
Anos mais tarde, pareceu-me que
havia contos suficientes para um livro. Passei então a estudar os contos em
busca daqueles que pudessem formar uma tênue unidade. E o critério de escolha,
então, passou a ser, de um lado, o ato falho, que expressava meu sentimento
predominante à época. Mas no plano da expressão, busquei todos aqueles que de
algum modo lembrassem uma tendência impressionista, um forte cromatismo, o debuxo
em lugar da linha nítida. E foi assim que surgiu À sombra do cipreste, o livro com
que conquistei o Jabuti.
Em 1999, a Editora Palavra Mágica,
às minhas expensas, publicou À sombra do cipreste.
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