sexta-feira, 23 de junho de 2017

CONTOS CORRENTES

De como Cacá da Z3 
tentou defender uma tiazinha 
e se deu mal
(Lourenço Cazarré*)                               

Tu tava adonde? Fazendo o que por lá? Na dona Odete? Figuraça! Grande cozinheira. Moro perto dela. Uma quadra dali, quebrando à direita. Bah, tu nem sabe, teve uma baita confusão ali na rua dela. Tu não viu uma casinha de madeira, verde, no meio da quadra? Pois é. Lá mora uma velhinha, coitadinha, pobrinha, viúva de pescador.  Os filhos dela se mandaram pra Porto. Num domingo desses, de tarde, faz um mês mais ou menos, eu ia passando por lá quando vi a velhinha chorando. Sentadinha no portal. Bah, me deu uma pena! Parei a moto e falei: e aí, tiazinha, qual é o drama? Ela não queria dizer, mas depois disse. Tinham roubado o DVD dela. Qual é, eu disse, quem foi? Ela não queria dizer, mas eu insisti: entrega, tiazinha. Ela só fez um gesto de cabeça assim pro lado. Eu
entendi. Do lado da casa dela mora um tri maloqueiro, vapor, vendedor de bagulho. Eu não gosto da fuça dele. Não deu outra: acelerei a motinha. Eu tava alterado, tinha bebido umas canha no Barro Duro. Fui com a moto até o meio da rua e embiquei na direção da casa do vagabundo. Derrubei o portão e subi a escadinha. Cheguei montado na sala.  Desci pronto pra porrada. O cara não tava em casa. Só tava a mina dele, vendo televisão. Saltei da moto e agarrei a magra pelos cabelos. Adonde tá o teu cara, perguntei. E eu sei, disse ela. Tu tá fazendo de trouxa, eu disse, me diz adonde é que anda a figura? E eu é que vou saber, disse ela. Então tá bom, eu disse. Montei na moto, sempre com a mina pegada pelos cabelos, e sai pra fora.  No meio da rua, a pinta tentou escapar. Dei um puxão na melena dela e ela se foi ao chão. Me agachei e peguei ela pelo pé. E saí devagarinho, arrastando. Lá não tem calçamento, tu deve de tê notado. Andei uns dez metros, com a mina esfregando o rabo na terra. Ela deve de ter ficado com a pelanca da bunda colada na nuca. Aí eu desci, dei meia dúzia de tapa na cara dela e perguntei de novo: cadê o teu macho, maconheirazinha? Aí, claro, ela falou: tá na lagoa, ta lá fumando com os guri. Então eu soltei ela. Quando levantei o pescoço, dei de cara com o vagabundo. Vinha vindo assobiando da lagoa. Montei, acelerei de novo e entrei pelo meio dele. Dei com o pára-lama no saco do puto. A peça voou e já caiu perguntando pra Jesus o que tava acontecendo. O DVD da tiazinha, eu disse, que tu roubou, tu vai tê que entregá ou eu te arranco os olho. Bah, porque eu não sei, disse ele, bah, porque não fui eu. Bom, se não foi tu, pior pra ti, eu disse, tu vai tê que devolver do mesmo jeito. E desci o braço.  Deixei o bicho sangrando pelas venta no capim, E fui pra casa. Me deitei. Tava cansadaço. Ferrei no sono. Me acordei meia-hora depois com a Brigada entrando na minha casa. Uns quatro brigadiano, cada um mais grosso que o outro. Nem perguntaram nada, chegaram me arregaçando. Bah, nunca apanhei tanto. Depois, me jogaram no camburão e me lavaram. Dormi no chão da cana. Me liberaram só no outro dia, de manhã. Tu não viu? A notícia deu até no jornal.  E pior é que o vagabundo até hoje ainda não devolveu o DVD da tiazinha.

*Lourenço Paulo da Silva Cazarré
Escritor nascido em Pelotas, em 1953. Tem cerca de quarenta livros publicados, a maior parte deles voltada ao público infanto-juvenil. Recebeu mais de vinte prêmios literários entre os quais o Jabuti, em 1999. Começou a publicar em 1981, com a sátira política Agosto, Sexta-feira, Treze.
Fonte: Wikipedia

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