Da imortalidade
(Menalton Braff)
Um dos mais antigos sonhos do ser humano é provavelmente o de vencer a morte. E com a morte, o esquecimento. As buscas do elixir da longa vida, da fonte da eterna juventude são a evidência dessa aspiração. O homem inventou deuses imortais, Camões chegou a dizer que em seus versos a bela amada nunca seria esquecida. E realmente, os versos continuam até hoje, mas a mulher amada só sobreviveu em forma de palavras.
Pois isso que não passa de uma aspiração fantasiosa, entre os acadêmicos é tido como certo. Pertencer a uma academia significa tornar-se um imortal. E batem-se muitos deles, espada em punho, por um lugar no panteão da glória. É preciso conquistar um lugar entre as múmias, entre as muitas outras múmias, para ser lembrado pelos pósteros.
É claro que o termo “imortalidade” deve ser entendido em seu sentido conotativo, apenas uma figura de linguagem. Morte, nesse caso, deve-se entender como esquecimento. A convicção, no caso, é de que o ingresso na galeria dos acadêmicos não vai deixar que o dito cujo seja esquecido jamais.
Isso tudo não passa de uma pitada de arrogância, combinada com outro tanto de vaidade. Academia nenhuma imortaliza, e se o termo é tomado em seu sentido conotativo, então, o que mais se vê são imortais que nunca pertenceram a academia nenhuma, assim como a multidão de acadêmicos que a caliça do tempo já encobriu.
Um bom exemplo da vacuidade dessa aspiração é nossa Academia Brasileira de Letras. Machado de Assis, um de seus fundadores, não foi imortalizado pela Academia, senão pela importância de sua obra. Ele existirá enquanto for lido, pois nem os verbetes de dicionários literários ajudam a preservar alguém. Erico Verissimo, Graciliano Ramos, Carlos Drummond de Andrade, Clarice Lispector, Cecília Meireles, Alphonsus de Guimaraens, Cruz e Sousa, Mário Quintana e tantos outros, muitos outros, serão certamente lembrados pelas futuras gerações, mas nunca pertenceram à ABL.
Em compensação, alguém já leu alguma coisa de Austregésilo de Athayde, Luís Murat, Pontes de Miranda, Osvaldo Orico, Medeiros e Albuquerque? Eles foram acadêmicos, mas não resistiram ao tempo. Devem dormir agora no conforto das páginas de alguns dicionários (pois nem nos livros didáticos, outro tipo de mausoléu, eles aparecem), e alguns curiosos a respeito do passado, poucos, muito poucos, estatisticamente desconsideráveis, lerão seus nomes com um ponto de interrogação nas rugas da testa.
O José de Alencar morreu em 1877, bem antes da fundação da ABL, e continua em circulação entre nós. Sua tosse não lhe promete vida muito longa, contudo livros como “Senhora”, “Lucíola, “O Guarani” continuam fazendo as delícias de leitores contemporâneos.
*Publicada originalmente na revista Bula.
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