Esta coluna reúne análises literárias escritas por Menalton Braff e publicadas, originalmente, em seu site.
Livro Analisado: A Paixão Segundo G.H
Modernismo
Modernismo
A Obra:
A paixão segundo G. H. veio à luz em 1964. Eis o que dizem alguns críticos a seu respeito:
"Abre-se a Paixão segundo G. H. e lêem-se, em epígrafe, estas palavras de Bernard Berenson: Uma vida completa pode acabar num identificação tão absoluta como o não-eu que não haverá mais um eu para morrer. E a obra toda é um romance de educação existencial. (...) O monólogo de G. H., entrecortado de apelos a um ser ausente, é o fim dos recursos habituais do romance psicológico. (...) ... não há começo definido no tempo nem um epílogo repousante... Há um contínuo denso de experiência existencial. (...) Contrariamente a Eros, que se inflama só quando ascende à fruição do que é belo, G.H. ultrapassa a
repugnância que vem de um eu demasiado humano; e atinge a comunhão de si mesma com o inseto: então não há mais eu e mundo, mas um Ser de que um e outro participam." (Alfredo Bosi)
repugnância que vem de um eu demasiado humano; e atinge a comunhão de si mesma com o inseto: então não há mais eu e mundo, mas um Ser de que um e outro participam." (Alfredo Bosi)
"... essa noção da problemática da existência humana em face do universo aflora, nas personagens de C.L., por via de um momento deiluminação intuitiva, por vezes de um incidente aparentemente trivial. A partir de então, o iluminado se desprende dos laços convencionais da vida comunitária para viver, na nudez da autoconsciência, o seu drama existencial. Em Paixão Segundo G.H. (1964), o esmagamento fortuito de uma barata suscita na heroína do romance todo um processo de desvendamento, que a leva a entrever Deus na própria neutralidade do cotidiano, nessa 'matéria que é a explosão indiferente de si mesma'.(...) Não é difícil perceber, nisso tudo, a marca do Existencialismo contemporâneo, com sua ênfase na angustiosa liberdade com que o Homem se tem de escolher a si mesmo em meio a um universo absurdo, cuja indiferença lhe provoca náusea." (José Paulo Paes).
Efabulação
Como se depreende do fato de ser um romance de C.L., o factual, a ação tangível (ou visível) é relegada a segundo plano, e a história, como se entende tradicionalmente uma história, é quase inexistente.
G.H. fica à mesa até tarde da manhã, tomando café, quando se lembra de que a empregada demitiu-se no dia anterior. Então é necessário dar uma arrumada em seu quarto. Dirige-se para o quarto e fica surpresa ao ver tanta limpeza e ordem. Ao abrir o guarda-roupa, contudo, depara-se com uma barata. Ela, a barata, com seus olhinhos redondos e seus longos cílios, deixa G.H. fascinada e terrivelmente perturbada. O fascínio mistura-se ao terror. Finalmente a personagem consegue, em sua perturbação, um resto de força e fecha a porta do guarda-roupa, movimento que corta a barata. Uma gosma clara começa a escorrer e esta matéria desencadeia uma série de reflexões de ordem metafísica da narradora.
Ponto de vista
O romance é escrito em 1ª pessoa, com narradora protagonista.
Personagens
Além de G.H., a narradora, existem como receptores in off tu, meu amor, doutor, minha mãe. Não são personagens, pois não agem dentro da história, são apenas invocados. A barata tem um papel importante nesta narrativa, mas um papel passiva, do meramente existente. Ela está e sua existência é perturbadora.
Técnica
O romance desenvolve-se com a técnica do fluxo da consciência. São os pensamentos livres de G.H. a própria matéria da narrativa.
Espaço
Tudo acontece dentro de um apartamento de classe média alta, no Rio de Janeiro. Mais exatamente, dentro de um pequeno quarto de empregada. Mas sendo assim tão exíguo o espaço em que se desenrola a "história", pode-se afirmar ao mesmo tempo que seu espaço é o universo ilimitado, uma vez que o pensamento livre de G.H. não conhece barreiras físicas.
Tempo
Às dez horas da manhã (?) é o início. Um minuto, um dia, toda a existência? O tempo metafísico não se mede pelo relógio.
A Autora
Clarice Lispector chegou ao Brasil no colo de sua mãe, dona Marian Lispector. Tinha então dois meses de idade. Sua família, o pai, Pedro, a mãe e mais duas irmãs, fugia das condições adversas na Ucrânia, onde Clarice nasceu. O lugar, bem, uma aldeia sem registro em mapa - Tchetchelnik é a grafi a mais comumente usada hoje em dia. A data já é de dificuldade bem maior de ser estabelecida. Normalmente se aceita o dia como sendo 10 de dezembro, mas a respeito do ano existem muitas controvérsias. Ela entrou no Brasil sem documento algum. Supõe-se, mesmo, que não tenha sido registrada, na Ucrânia, pois a família estava em viagem, que durou muitos meses, quando ela nasceu. Segundo um dos documentos lavrados depois de muitos anos vividos no Brasil, ela teria nascido no ano de 1920. 1921, 1925, 1926, 1927 são outros anos sugeridos pela própria escritora, que jamais revelou o ano verdadeiro.
A infância em Recife, a escola, o português como sua primeira língua, o deslumbramento com a leitura dos livros de Monteiro Lobato. Com nove anos presumíveis perde a mãe. A família, por fim, muda-se para o Rio de Janeiro. Clarice tem cerca de 12 anos de idade. Depois de completar os estudos secundários, Clarice ingressa na Faculdade de Direito, onde conhece seu futuro marido, o diplomata Mauri Gurgel Valente. Dessa época é seu primeiro livro, Perto do Coração Selvagem. De imediato a crítica filia a autora ao que existe de mais moderno na literatura contemporânea em prosa: Virginia Woolf, James Joyce e William Faulkner.
Trabalha alguns anos como jornalista e, casada com Gurgel Valente, parte para o exterior. Itália e Estados Unidos, entre outros, são países onde ela vive. Finalmente, separada do marido, retorna ao Brasil e se estabelece no Rio de Janeiro com seus dois filhos.
Clarice Lispector falece no ano de 1977, depois de alcançar prestígio incomum nas letras brasileiras.
Romances - Perto do coração selvagem, O lustre, A cidade sitiada, Água viva, A paixão segundo G.H., A hora da estrela, Maçã no escuro, Uma aprendizagem ou o Livro dos prazeres.
Contos - Alguns contos, Laços de família, A imitação da rosa, Legião estrangeira, Felicidade clandestina, A via crucis do corpo.
Publicou também entrevistas, crônicas e histórias infantis.
A respeito de Clarice assim se manifesta Bosi:
"Clarice Lispector se manteria fiel às suas primeiras conquistas formais. O uso intensivo da metáfora insólita, a entrega ao fluxo da consciência, a ruptura com o enredo factual têm sido constantes do seu estilo de narrar..."
"Trata-sede um salto do psicológico para o metafísico, salto plenamente amadurecido na consciência da narradora."
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