segunda-feira, 28 de agosto de 2017

ESPIANDO POR DENTRO

Esta coluna reúne analises de livros elaboradas por Menalton Braff e publicadas originalmente em seu site .

Livro Analisado: Quarup
Autor: Antônio Callado

A Obra:

Quarup, romance publicado em 1967, revela elementos importantes da sociedade, da cultura e da política brasileira, num período de nossa história que vai da era Vargas, passando pelos governos de Juscelino e Jânio, para terminar na época dos governos militares.

Elementos da narrativa:

Personagens:

Nando - Um jovem padre, o protagonista da história, vive mergulhado em dúvidas. Sente-se vocacionado para missão entre os índios do Xingu, mas teme a nudez feminina. Uma amiga, sabendo de seu drama, trata de seduzi-lo, livrando-o do impedimento. Depois dessa primeira experiência sexual, Nando se apaixona pela noiva de um amigo, mas nada mais o impede de realizar sua utopia. Já no Xingu, e depois de constatar a verdadeira situação dos índios, ao descobrir que o de que precisam é apenas de sobrevivência e não de salvamento da alma, o protagonista escreve a seu
superior e abandona a batina, tornando-se tão-somente um indianista. De volta à civilização (muitos anos mais tarde) vai morar na praia e recusa-se a exercer qualquer atividade a não ser a de "mestre de amor". Perseguido pela polícia da Ditadura, acaba sendo torturado até próximo à morte. Salvo por amigos, e depois de alguns meses restabelecendo-se, parte para a guerrilha, para a busca de sua utopia.

Levindo - Jovem estudante que milita nas Ligas Camponesas. É noivo da moça por quem Nando se apaixona. É morto pela polícia no pátio de uma usina.

Francisca - A noiva de Levindo. Moça bela, rica, que apóia as posições políticas do noivo. Mas qualquer dificuldade, refugia-se na Europa. É pintora e se interessa também pelos índios. Em missão no Xingu, onde deve fazer um estudo sobre a forma física dos índios e deve realizar sonho do noivo, já morto, (chegar ao Centro Geográfico Brasileiro) ela encontra-se com Nando e a paixão explode, com cenas de sexo e amor de puro lirismo e beleza. Seu fim é a Europa, de onde não volta mais.

Leslie e Winifred - Casal de estudiosos ingleses. Amigos de Nando, padre católico, são a consciência protestante nas discussões religiosas, em que as duas éticas (católica e protestante, fé x ação) são expostas. É Winifred quem livra Nando do peso da castidade.

Hosana - Jovem padre, amigo de Nando. Revoltado contra celibato. Acaba assassinando seu superior.

Ramiro - Chefe do SPI, viciado em lança perfume, acaba maníaco por uma polaca que desaparece nas selvas. Símbolo da inadequação funcional: sua vocação é a farmácia.

Vanda - Sobrinha e secretária de Ramiro (nepotismo). Desquitada, tem um caso com Nando.
Fontoura - Indianista politicamente correto. Ele é quem abre os olhos de Nando para a verdadeira situação do índio no Brasil. Morre bêbado no Centro Geográfico do Brasil.

Otávio - Marxista, antigo participante da Coluna Prestes.

Lídia - Comunista, terceira mulher de Nando.

Sônia - A polonesa por quem o Ministro da Agricultura arrasta um trem e a quem ele dá um palacete. É a paixão de Ramiro e Falua (um jornalista). Cansada das complicações dos homens civilizados, enrabicha-se com um índio (Anta) e some na floresta.

Falua - Jornalista. Bêbado, viciado em lança perfume, louco por Sônia.

Januário - Revolucionário, líder das Ligas Camponesas.

Manuel Tropeiro - Líder camponês. Quando parte para as guerrilhas no coração do Brasil, Nando vai com ele.

Espaço:


A ação é iniciada em um mosteiro, em Recife. A fim de obter autorização do SPI para sua missão no Xingu, Nando desloca-se para o Rio de Janeiro, onde vai permanecer por bastante tempo atrás da burocracia. Neste tempo, conhece pessoas e costumes, cheira lança perfume, ama diversas mulheres, conhece os meandros do poder.

Em seguida (e ocupando a maior parte da narrativa), o espaço da floresta, uma aldeia (maloca), no Xingu e a expedição de alguns meses pela floresta até o Centro Geográfico do Brasil.
Recife, novamente, uma casinha na praia, onde Nando torna-se vagabundo e mestre de amor. A tortura (Nando mártir), a decisão de se engajar nas guerrilhas.

Tempo:

O início da ação é no período do governo Vargas, pouco antes de seu suicídio. Getúlio, mergulhado em corrupção e em crise política, está para assinar um decreto estabelecendo extensa reserva indígena. Com o Crime da Rua Toneleros, Getúlio suicida-se. Café Filho assume o governo e
Juscelino elege-se em seguida. O período do governo de Juscelino é narrativamente rápido. Eleito Jânio, sete meses depois tenta um golpe ao renunciar. O golpe falha, Jango assume o governo e é deposto pelos militares, que impõem uma ditadura de direita ao Brasil. É no período da ditadura militar que a ação se encerra, no momento em que Nando e Manuel Tropeiro estão na estrada para se juntarem aos guerrilheiros.

Efabulação:

O jovem padre pernambucano, Fernando, sonha em realizar a utopia sonhada no passado pelos jesuítas: o refazimento da aventura humana a partir do homem primitivo, uma república teocrática e comunista. Um novo Éden na terra, com os índios, em estado puro, como novos adões.
Seu modelo foram as Missões, no Sul do Brasil, matéria de o Uraguai, de Basílio da Gama. Prepara-se durante muito tempo para embrenhar-se na floresta. O principal impedimento para que parta logo são seus receios sexuais: sente-se fraco, sabe que não vai resistir. Libertado desta tortura, finalmente, depois de várias peripécias no Rio de Janeiro, embarca para sua nobre missão. No Xingu, conhece Fontoura e com ele aprende as verdadeiras necessidades dos índios brasileiros: terra e respeito para suas particularidades. Abandona a batina. Um grupo de várias pessoas empreende uma expedição ao Centro Geográfico do Brasil.

Durante a viagem que dura meses, discute-se muito a situação do Brasil, sobretudo dos índios. Encontram uma tribo já em seus últimos estertores, vítima de sarampo contraído de garimpeiros. No CGB, ao fincarem o marco com nossa bandeira, descobrem que o terreno é tomado inteiramente pelas saúvas, fato que assume proporções de símbolo do próprio Brasil. A saúva não só em seu sentido denotativo, naturalmente. Frustrado o sonho de Nando, ele volta para Recife, onde, na companhia de Francisca, passam a alfabetizar trabalhadores (método Paulo Freire),que no governo de Arrais havia feito este mesmo tipo de trabalho. Através da educação, envolvem-se na luta entre camponeses e usineiros, isto é, na tentativa de reorganizar a luta, interrompida com o Golpe de 1964. Em crise de consciência (Levindo não pode ser esquecido), Francisca parte novamente para a Europa, deixando Nando sozinho.

O antigo padre ocupa pequena casa herdada dos pais. Passa a morar na praia e sua principal ocupação e elevar o moral de mulheres ensinando-lhes o amor. Mas Nando é visado, tem ficha na polícia e quando organiza uma comilança para comemorar os dez anos da morte de seu amigo Levindo (um revolucionário), organização civil de direita e a polícia acabam com a festa com muita pancadaria. Preso, Nando é espancado e supliciado até quase a morte.
Depois de meses de convalescença na casa de Hosana - casado depois de abandonar a batina - parte para as guerrilhas na companhia de Manuel Tropeiro.
Observações finais:
• Quarup é uma festa indígena, que reúne em um mesmo ambiente várias tribos. Os festejos contam com lutas e disputas de vários tipos, comilança e cerimônias em que os mortos são evocados. O objetivo principal da festa é a eternização dos mortos.
• O romance Quarup é um painel de pouco mais de dez anos da vida brasileira, escrito em um estilo claro de linguagem correta e agradável. O texto é intensamente dialogado, valorizando as diferentes opiniões das personagens. É um romance em que a tônica é a discussão.
• Quarup é um romance engajado (a luta dos camponeses de Francisco Julião, as experiências sociais de Miguel Arrais, a luta pela sobrevivência dos índios, a luta da democracia contra a ditadura militar), aproximandose, neste sentido, dos escritores nordestinos da Geração de 30, mesmo assim, um romance em que a qualidade literária não é descuidada. O principal romance de um dos principais romancistas do pós-modernismo brasileiro.
• Temas universais - através de um localismo explícito, que é a matéria imediata de Antônio Callado, ele atinge o universal. "Aliás, do mergulho no local e no histórico é que resulta a concretização desses temas universais: pelo confronto das classes sociais em luta no Nordeste, chegase à temática mais geral da exploração do homem pelo homem e das centelhas de revolta que periodicamente acendem fogueiras entre os dominados; pela história individual do padre Nando, tematiza-se a situação geral da igreja, dos padres e do intelectual que se debate entre dois mundos; pela sondagem da consciência de torturadores brasileiros, chega-se a esboçar uma espécie de tratado da maldade, que nos faz vislumbrar os abismos de todos nós."

O autor: Antônio Callado nasceu em Niterói (RJ), em 1917. Filho de médico famoso em sua cidade, sua mãe vinha de família de professores, donos da escola onde o autor fez seus primeiros estudos. Cursou Direito, em Niterói, mas jamais exerceu a advocacia. Abraçou o jornalismo, como profissão, e a literatura, como vocação. Foi correspondente de guerra (BBC de Londres), durante a Segunda Guerra Mundial, e na Guerra do Vietnã, a serviço de jornal brasileiro. Ainda como jornalista, cobriu eventos internacionais importantes e por várias vezes viajou até o coração do Brasil, de onde recolheu farto material para seus romances. Em seus dois primeiros romances, Assunção de Salviano (1954) e A madona de cedro (1957) tematiza o misticismo popular, a superstição e as crenças do povo. A partir de Quarup (1967), seus romances tomam cores políticas e de análise da realidade sócio-cultural brasileira. Vivia-se, então, em pleno regime militar, movimento contra o qual o autor insurgiu-se, acompanhando a grande maioria do povo brasileiro e principalmente a intelectualidade.
Além de jornalista e romancista, Antônio Callado foi também dramaturgo, tendo produzido algumas peças de sucesso de crítica e de público. Foi um dos maiores escritores pós-modernos do Brasil, tendo falecido, vitimado pelo câncer, no ano de 1997.






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