sábado, 23 de dezembro de 2017

ORELHA

Esta coluna reúne apresentações de livros escritas por Menalton Braff hoje uma resenha. O texto escolhido para hoje é sobre o livro "Perfil de Mulher", de Leda Pereira.

Mulher de corpo inteiro

Com este Perfil de mulher a Leda Pereira inaugura-se em livro, pelo menos na modalidade solo. E já não era sem tempo. A escritura tem seu momento certo: chegada antes do tempo, vem acidulada ainda, porque verde; mas se demora para nascer, corre o risco de passar do ponto e despencar do alto até o chão. Me parece que a Leda soube esperar a hora certa da segadura, e sua colheita não podia ser melhor.

O livro está dividido em duas formas de linguagem: o verso e a prosa. No plano da expressão, pode-se dizer que são textos bem elaborados, construídos com o esmero de joalheiro. A preferência, quando se trata de poemas, é por versos curtos, mas sem isonometria. São versos ágeis, nervosos, de respiração acelerada, na cadência do próprio coração. Sirva-nos de exemplo este:

(...)
E no acalanto da solidão
Vi sereias e serpentes
No disfarce de tua face neutra
Vi teu medo
De me amar.

A frase que pede larguras, de ritmo mais lento, é a frase de seus textos em prosa, tanto dos contos como da prosa poética. Mas em alguns textos, como em Diário de uma adolescente, nota-se a influência da linguagem em verso na frase seca, de estilo telegráfico. No plano do conteúdo,
principalmente, é que vamos encontrar a escritora madura, desenvolta, lidando com temas às vezes difíceis, mas sempre com segurança. Em seus poemas, impera o lirismo, de temática variada, mas com predominância do lirismo amoroso. E vai aqui uma gama de tratamentos do velho tema do amor, que apresentam uma surpresa a cada passo.

O amor carnal
Minha alma contraindo-se
Sob seu domínio
Desmancha-se em torpor.

é tratado com delicadeza, mas sem dissimulação, sem disfarces.
Outras vezes, entretanto, o amor se aproxima do sofrimento, do anseio pelo inatingível, representando uma busca que só encontra a dor como resultado.

Neste sonho, não sei se cheguei tarde
ou cedo demais.
Será você apenas uma nuvem
prenunciando uma mudança de tempo?
Há certa recorrência ao tema da angústia existencial, a busca do auto-conhecimento
pela poesia. É o caso de Livre, onde se pode encontrar:

Nublado, meu céu, meu ser
(...)
Nesse momento, mergulho
Nos prós e nos contras
E desço num abismo
De eternos trigais
Onde mora o afeto.

ou então este outro fragmento do poema que encerra a primeira parte, e onde a poetisa se define(?).

E pela catarse de um pranto, de uma orgia,
descubro e desvendo-me.
E assim vou ser, até deixar de ser.
Apenas aprendiz...

Ressalte-se ainda uma última característica da Leda, no que se refere a seus contos:
os finais são sempre inesperados, surpreendentes, numa construção das personagens e da efabulação de alguém que já domina as técnicas da narrativa.

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