quinta-feira, 15 de março de 2018

RESENHA

O TIPO NOSTÁLGICO    
(por Menalton Braff)

Não sou muito de fazer o tipo nostálgico, mas, sem razão aparente, algumas vezes o passado me pega e passa o dia comigo. Foi o que aconteceu outro dia, quando, procurando um livro na biblioteca, encontrei outro, da década de 1950, e alguma coisa me bateu dentro do peito provocando um sentimento indefinível, uma dor não localizada que já ia me estragando o dia. 

A tempo, me lembrei de que era ainda bem jovem quando a Françoise Sagan tornou-se o furor da juventude literária. Ela, uma francesinha de 19 anos, fruto da geração pós-guerra, havia lançado um livro que nos parecia o máximo em modernidade, em civilização decadente, sem saída, fim de linha. Era Bom dia tristeza, um livro que fazia furor no mundo todo e que tomávamos como uma espécie de bíblia literária.

Líamos e relíamos o livro. Sozinhos ou em grupo. Era a nossa geração ali estampada. Aliás, era o que nós pensávamos que deveria ser a nossa geração narrada com uma linguagem simples, ágil, atual. Um certo sorriso repetiu o sucesso e a Françoise Sagan, tínhamos então certeza, seria um dos astros eternos no firmamento da literatura. 

E estávamos enganados. O livro que, sem querer, encontrei na biblioteca foi Dentro de um mês, dentro de um ano. Lido naquela época, já não me lembrava mais de nada. Resolvi voltar no tempo
e fui reler o romance.

Um povo de teatro, escritores, burgueses, frequentadores de bares, gente que trocava o dia pela noite, a boêmia parisiense. O sentimento predominante: o tédio. Ninguém tem uma perspectiva firme de
futuro, tudo parece um tanto indiferente, os desencontros amorosos, o sofrimento provocado pela vacuidade, a licenciosidade dos costumes, eis o ambiente sombrio desse livro.

Como poucos, a Françoise Sagan soube captar o espírito de uma época, o zeitgeist dos anos que sucederam imediatamente a guerra. Mas o tempo corre, e as dores da guerra foram-se aliviando, as feridas cicatrizaram. Novas ondas vieram, novos costumes, crenças novas com suas preocupações.
Ninguém mais fala de Françoise Sagan. Mas ela existiu, ela mexeu com nossas cabeças durante um bom tempo. E mesmo que não tenha sido uma estrela de primeira grandeza da literatura, teve seus méritos.

Hoje terminei o convívio com aquele povo entediado e volto a minhas atividades normais.

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