quinta-feira, 24 de maio de 2018

ORELHA

Esta coluna reúne comentários de Menalton Braff a livros de outros autores.

Palavras coloridas

Jean-Paulo Sartre, na tentativa de dar resposta à pergunta “o que é isso, a literatura?”, acabou criando aquela metáfora simples e esclarecedora das palavras coloridas. Na linguagem informativa, a linguagem de todo dia, não vemos o vidro através do qual nos chega a realidade. Ele, o vidro, é transparente. Não é o que ocorre na literatura, em que o vidro está pintado e suas cores chamam a nossa atenção. Assim é a poesia do prosador e poeta Gilberto Abreu, que neste Lorca balada louca, sétimo livro de sua autoria, consegue, do início ao fim, manter o equilíbrio entre os dois planos de Que se compõe a literatura: o plano da expressão e o plano do conteúdo. Já não se fala mais da neutralidade da palavra, e, mesmo quando colorida, ela é suporte de significação.

Desde Feto outonal, de 1975, passando por A minha primeira morte, ambos de poemas, seguidos pelo livro de contos Chão de mundaréu, de 1985, e pelos dois romances, Mande beijos a Gardel e Nossas roupas comuns dependuradas, pode-se entender como o carimbo de sua marca o duplo objetivo: a fruição, a emoção estética, sem descurar uma aguda reflexão sobre nossas condições de seres humanos.

Nessa carreira que já lá vai pra mais de trinta anos, Gilberto Abreu foi amadurecendo seu estro, mas sem esquecer alguns princípios que sempre o nortearam. Ele chega ao Lorca balada louca com muita experiência na bagagem, além de um dos mais importantes prêmios da literatura brasileira, o Prêmio Guimarães Rosa, conquistado com Mande beijos a Gardel.


Neste livro, alternam-se ruptura e tradição. Há poemas de versos livres e brancos em meio a outros em que há traços de rima e métrica. Traços, porque não existe mais aquele rigor de usar fita métrica para versejar nem os esquemas rímicos seguem a tradição. E isso significa que a espontaneidade do verso substitui a camisa-de-força das técnicas de versificação. Mas não nos enganemos, a ausência de isometria não dispensa a unidade rítmica tensa dos versos, mesmo quando livres.

Considerando outras dimensões de sua poesia, o que se encontra neste Lorca balada louca são homenagens a seus irmãos poetas, como Lorca, Octávio Paz, Drummond, e muitos outros. Do poema inicial do livro − Ode a Federico – são os versos Federico,/há em tudo, todo um lamento./Gritos ecoam nas sombras,/ vozes de mortos no vento... E é bem clara a alusão às tragédias da Guerra Civil Espanhola.

Há várias cidades citadas, todas elas, ou sua maioria, por terem recentemente testemunhado até que ponto pode chegar a brutalidade humana. O autor de Globalização pra quem? (2006), um livro de ensaios, é cidadão do mundo, tem consciência de que navegamos um barco diminuto, muito diminuto, para que nos preocupemos apenas com o fundo de nosso quintal. Da estirpe de um João Cabral de Mello Neto, por uma parte de seu projeto estético, a certa altura, quando pede à musa
sua frauta, doce avena, ele diz:

Um cântico
que soe metálico
que aborreça
que acorde os homens
não que os adormeça.

(...)

E ainda sobra espaço para falar daquela Bárbara, a Heliodora, a quem, da prisão, Alvarenga Peixoto, seu marido e um dos inconfidentes, enviou os versos com que eternizou sua memória.

Este livro do Gilberto Abreu é um passeio pelo mundo contemporâneo, um périplo pela cultura universal, numa carruagem toda colorida que se chama poesia.

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