segunda-feira, 11 de junho de 2018

CARTAS DO INTERIOR

Esta coluna reúne crônicas inéditas de Menalton Braff.
Nas cordas da minha lira

Meu amigo, o Gigante Adamastor, patriota das horas vagas, apareceu aqui por casa com expressão de quem estava pensando em alguma sacanagem. E sacanagem no sentido de trocista, não naquelas outras significações, como direi, sujas. Ele, que nasceu no extremo sul da África, percebe coisas por aqui que nós já naturalizamos, por isso não percebemos.

Depois de observar por algumas décadas o comportamento dos brasileiros, ele me disse, chegou à conclusão de que nós, os brasileiros, somos patriotas sazonais.

Como assim, Adamastor?

Então meu amigo perguntou se não tenho visto com mais frequência camisetas amarelas. (Aliás, em sua pergunta usou a palavra “camisola”, pois sua língua de origem é o português de Portugal). E realmente, espremendo um pouco a memória, percebi que nem sempre se viam tantas demonstrações de amor à pátria.

Seus conterrâneos, observou o Adamastor, passam, três anos ou mais, vituperando o país em que nasceram. E o menosprezo não se manifesta apenas através de palavras. Quando no mercado para alguma compra, qual é a preferência da maioria? Qualquer porcaria que venha do exterior. Sim,
porque sendo estrangeiro é sempre melhor. O Nelson Rodrigues, um jornalista e homem de teatro, (o Adamastor sabe das coisas) tratando desse assunto, carimbou a expressão “complexo de vira-lata”.

Durante os três anos e picos, sentenciou o gigante, o maior sonho da maioria dos brasileiros é assumir uma cidadania de fora. O Adamastor lembrou-me a história de uma dama da alta sociedade que, em Miami, comprou uma peça inteira de tecido por achar lindo demais. Na costureira, já no Brasil,
foi informada de que o tecido era carioca, carioquíssimo de Bangu. Uma fábrica bem brasileira. E assim, com qualquer porcaria. Até chinelo, se tiver marcada uma origem do exterior, vai ter a preferência. Mesmo que seja muito mais caro.

Mas e daí, qual a causa das camisolas, epa, camisetas amarelas?

O gigante, com sorriso gigantesco, me fez ver que o patriotismo brasileiro acontece sempre às vésperas de copa do mundo. E depois dizem que o futebol não melhora a sociedade brasileira. Ora, se despertar nosso patriotismo (amor à pátria) de quatro em quatro anos não é um gigantesco serviço prestado à nação, então não sei mais o que pode ser.

O Adamastor ainda esperou o cafezinho (bem brasileiro) que sorveu com os olhos fechados em verdadeiro êxtase, antes de dizer que existem coisas sublimes no Brasil e que não acontecem apenas de quatro em quatro anos.

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