segunda-feira, 18 de junho de 2018

CARTAS DO INTERIOR

Esta coluna reúne crônicas inéditas de Menalton Braff.

QUANTO MAIS, PIOR

Uma das maiores ambições do homem desde que se reconheceu como gente e descobriu que isso também significava finitude foi o desejo de descobrir um modo de se tornar eterno. A busca pelo elixir da longa vida gastou anos de experiências de alquimistas; a procura pela fonte da juventude moveu fortunas e vidas em volta do mundo. Tudo valia, até mesmo gerar filhos para neles se eternizar.

Com a invenção da fotografia já se alcançava uma cópia do indivíduo que as futuras gerações reconheceriam como alguém que existiu, guardando, portanto, uma lembrança da imagem do antepassado.

Mas a fotografia conquistou técnicos, artistas, pessoas que, por profissão, aperfeiçoavam a imagem, seja pela escolha de ângulos esteticamente mais desejáveis, seja pela luminosidade escolhida, sua direção, o que iluminar mais, ou menos, tudo isso com a competência profissional, que se desenvolvia.

Então, era prazeroso receber a fotografia de um amigo, aquelas palavras carinhosas registradas em diagonal em cima da foto, “do seu eterno admirador” etcétera e tal. Anos depois, quando a saudade apertava, abriam-se os álbuns e em cada folha uma lembrança, uma alegria renascida, a certeza de que uma amizade pode ser eterna, mesmo que seja nessa metonímia dos seres.


Depois vieram os telemóveis, nossos celulares, que caíram nas mãos de todos, idosos e crianças, ninguém mais consegue viver sem o aparelhinho. E ele, o aparelhinho, além de emissor e receptor de vozes humanas, soma, divide, extrai raiz quadrada, pinta o sete. Pior, ele também fotografa. E como ninguém mais vive sem celular, todos nós nos tornamos fotógrafos amadores. E como tudo que é de graça, viralizou. Posso aqui usar essa palavra no sentido de que toda gente passa o dia gastando o dedo para registrar alguma coisa?

Mais que coisa?

Esse é o maior problema. Se o gato dorme na almofada, o cachorrinho morde a perna da cadeira, se os amigos tomam cerveja de vez em quando no bar da esquina, então corta-se-lhes um pouco do topete, ou o braço levantado com o copo cheio aparece só pela metade. Mas tais banalidades ainda não são tudo, porque apenas revelam a estultície de quem perde tempo pensando registrar o mundo, quando registram o pequeno mundo em que vivem. E os selfies, meu deus do céu. O celular vem
desenvolvendo uma egolatria jamais vista neste nosso planeta. A própria imagem é imbatível. E não se pode esquecer que o registro ou fica na própria maquininha ou vai preencher algum espaço no meio da enxurrada de senso comum do facebook. No primeiro caso, o ser registrado vai ser o único consumidor de sua própria e bela imagem; no segundo, vai para o mundo do anonimato, o consumo de qualquer um e de forma efêmera, destituído de qualquer significação.

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