Entrevista concedida por Menalton Braff e Marçal Aquino a Vanessa Maranha, em 2006, e publicada no jornal Comércio.
A entrevista acaba de ser divulgada pela própria Vanessa no Facebook.
Crítica Literária Hoje
- Menalton Braff e Marçal Aquino discutem a vida literária contemporânea em sua produção e nos moldes de sua crítica –
Vanessa Maranha
Especial para o Comércio
Especial para o Comércio
A vida literária, segundo autores como Benedito Nunes, Nelson de Oliveira, Cláudio Willer e Leyla Perrone-Moisés, está em crise.
Uma crise que, de acordo com sua visão, parte da produção literária - à mercê do sistema de valores vigente - e desemboca na crítica, dividida entre uma vertente universitária e outra antiacadêmica.
Para discutir essa questão, o jornal Comércio convidou dois autores de expressão no cenário da literatura brasileira contemporânea: Menalton Braff e Marçal Aquino.
Braff é incisivo. Para ele, a crítica literária é quase inexistente hoje no Brasil. “Diminuíram-se terrivelmente os espaços dedicados à literatura nos jornais, espaço que apenas revistas especializadas mantêm. Sem o exercício constante da crítica, nota-se um definhamento do setor”, diz ele.
Aquino é mais otimista e prefere relativizar a questão. “Não enxergo neste momento nenhuma crise, nem na literatura, nem na crítica. Basta olhar o número de novos escritores e editoras que têm surgido, o que demonstra que a literatura vive um momento de grande vitalidade”, comenta.
Menalton Braff é vencedor do Prêmio Jabuti (2000) e suas duas últimas obras publicadas (2004) são o romance “Na teia do sol”, em que utiliza a técnica do fluxo de consciência para relatar os sentimentos e emoções de um foragido político e sua sensação de pequenez no embate contra o Leviatã estatal é a principal matéria do romance, com referência aos acontecimentos políticos de 1964. Do ano passado é “Como peixe no aquário”, novela juvenil em que emprega modelos narrativos mais complexos do que aqueles geralmente encontrados nesse tipo de literatura. É a história de uma falta cometida por uma garota e todo o sufoco por que ela passa para resgatar-se a seus próprios olhos.
“No mês de maio a Edições SM vai lançar minha primeira história infantil: ‘Gambito’. Tenho um livro de contos que gostaria de ver publicado em 2006 e trabalho atualmente em um romance que já me tomou dois anos e meio e que pretendo terminar até o fim do ano”, conta.
Marçal Aquino já foi qualificado como “o autor dos pistoleiros” – personagens recorrentes em sua obra, que tem geralmente por mote a violência, numa escrita concisa e de descrições sumárias. O livro de contos “O vôo da madrugada” foi um dos finalistas no Jabuti de 2004. Autor da novela “Cabeça a prêmio”, está adaptando esse texto para o cinema com Karim Aïnouz (que dirigirá o filme) e é também o autor de “Os Matadores”, filmado em 1997 por Beto Brant. “Estou trabalhando, já há três anos, num romance chamado ‘Eu receberia as piores notícias dos seus lindos lábios’, que deve ser publicado no ano que vem”, conta ele.
Comércio - Como você avalia a crítica literária hoje no Brasil?
Menalton Braff - Na verdade, não temos mais crítica literária no Brasil. Há críticos, mas não há crítica. Pelo menos aquela crítica militante, que o Brasil conheceu no passado, uma crítica de ampla divulgação pela imprensa, essa não existe mais. Não nos faltam críticos competentes, mas já vão escasseando e a razão é simples: diminuíram-se terrivelmente os espaços dedicados à literatura nos jornais, espaço que apenas revistas especializadas mantém. Sem o exercício constante da crítica, nota-se um definhamento do setor. O que ainda nos resta são estudiosos encastelados nas universidades. Grandes nomes, como Alfredo Bosi e Antonio Candido, Benedito Nunes e Afrânio Coutinho são conhecidos apenas no meio acadêmico. Não aceitaram transformar-se em resenhistas, que é a que ficou reduzida nossa crítica. Não se ouve com muita freqüência falar das principais correntes críticas da atualidade, como a crítica da recepção, os estudos culturais, a crítica imanentista, ou ainda sobre a crítica greimasiana. Enfim, o panorama que se tem hoje não é animador. Parece que a última novidade neste campo, no Brasil, foi ainda o New Criticism, coisa da década de sessenta. O debate sobre as idéias críticas parece que cessou e o que mais se vê é o retorno de uma crítica impressionista em que o gosto pessoal é erigido em lei.
Comércio - Você acha que a crítica literária dos jornais reflete o modelo de uma sociedade regida pela lógica do mercado? Se sim, quais as exceções.
Marçal Aquino - Sim. A mídia impressa, no mais das vezes, tem-se limitado a resenhar as obras, i.e., a noticiar o lançamento de livros, cumprindo apenas um de seus papéis na dinâmica da indústria cultural. Livro, mais do que nunca, tem sido tratado como produto. O problema é que, por conta do espaço exíguo, as análises não vão muito além disso. Mas é fácil constatar que a literatura tem neste momento um espaço ampliado, com muitos suplementos e revistas. É só comparar com a década de 80 e a primeira metade da década de 90, quando houve uma significativa diminuição desse espaço, para constatar que a literatura tem hoje espaço cativo na maioria das publicações e cadernos culturais.
Comércio -Que caminhos apontaria?
Braff - Sem um espaço adequado na imprensa, é muito difícil que a crítica ultrapasse os muros universitários. Acho que duas medidas, uma impossível e outra difícil, podem melhorar o nível da crítica (resenha) que se pratica hoje. A cessão de mais espaço à literatura, sobretudo em jornais (todos se lembram do Suplemento Literário do Estadão), que não interessa aos donos de jornais, mais preocupados com o balanço no fim do exercício. Penso que em pouco tempo teríamos um quadro bem diferente. Medida bem difícil, mas que traria resultados em pouco tempo, seria a introdução, nos cursos de Letras, de uma cadeira de Literatura Atual. As universidades, em geral, param lá por Guimarães Rosa e Clarice Lispector. Há uma espécie de exagero asséptico que impede o meio acadêmico de se misturar à literatura feita hoje. Estabelecer um debate permanente entre aqueles que fazem literatura e os que trabalham com a metaliteratura, parece-me que seria proveitoso para ambos.
Comércio - Em que a crítica literária auxilia na sua obra? Em que ela é perniciosa?
Aquino - A crítica, quando consegue se aprofundar para além da superficialidade noticiosa da resenha, representa uma preciosa possibilidade de diálogo com o escritor. Pode iluminar aspectos, implicações e intenções da obra que, por mais que reflita sobre o processo de criação, o próprio autor desconhece. Afinal, são múltiplas as leituras propiciadas por qualquer livro, por mais modesto que ele seja. Um crítico, portanto, é alguém que dispõe de instrumental para refletir sobre a obra, estabelecendo uma rica parceria com o escritor. Nesse sentido, e feita por profissionais sérios, ela nunca é perniciosa, ainda que seja rebarbativa. Braff -Não creio que tenha sido afetado negativamente. Procurei sempre meus caminhos com base em muita reflexão, muita leitura e investigação. Não me deixo seduzir com facilidade. Leio o que dizem de mim e concordo ou discordo. Quando a crítica aponta fraquezas no que faço, costumo parar para fazer um balanço no que tenho feito, mas isso com muita tranqüilidade, isto é, com a serenidade de quem se sabe com muito mais defeitos do que virtudes.
Comércio - Você vê, no fundo dessa aludida crise da crítica uma crise na própria literatura?
Aquino - Honestamente, não enxergo neste momento nenhuma crise, nem na literatura, nem na crítica. Basta olhar o número de novos escritores e editoras que têm surgido, o que demonstra que a literatura vive um momento de grande vitalidade (não entro no mérito do desempenho comercial desses autores, porque não nos interessa aqui). Por outro lado, o surgimento de jovens críticos, que não se limitam a resenhar os livros, mas a analisá-los, oferece uma grande oportunidade para esses novos autores, a saber, de ter sua obra avaliada e discutida enquanto ainda estão em atividade. Por fim, entendo que hoje, ao contrário de outros tempos, a universidade tem discutido as novas gerações. Então, ao contrário, vejo um momento particularmente interessante tanto da parte de criadores quanto dos críticos.
Comércio - Você tem exemplos para citar, em que tenha passado pelo escrutínio da crítica e tenha sido elevado ou espinafrado?
Braff - Bem, tenho muito mais exemplos de ter sido elevado do que o contrário, mas não me faltaram pedras no telhado também. Aliás, a única coisa que me incomoda é a arrogância. Uma crítica que me apresente a meus defeitos, feita com seriedade, é de maior proveito do que o elogio. A crítica elogiosa faz bem a meu ego, e a crítica que aponta fragilidades faz bem à literatura. Sei de muitos defeitos meus, porém não sei de todos. Mas já fui espinafrado. Um rápido histórico disso começa pelo Deonísio da Silva, que me pegou aprendiz e me espinafrou. Passei algum tempo um pouco perturbado até descobrir que ele tinha razão. Fiz força para melhorar. Depois foi um cidadão da Veja, não me lembro o nome dele. Não concordei com uma palavra do que disse, mas reconheço o direito que ele tem de dizer. O Haroldo Ceravolo Sereza, quando no Estadão, apontou falhas no meu romance “Castelos de Papel”. Concordei com tudo que disse e ficamos mais amigos do que antes. Até o Wilson Martins já perdeu tempo comigo, mas a espinafrada dele me pareceu sem fundamento. Terminei um romance com uma cena fantástica (o duplo) e ele disse que na última hora eu me tornara surrealista. Não concordei. Enfim, se eu digo o que quero, e digo, eles têm o mesmo direito que eu.
Comércio - Há os avatares do antiacademicismo na crítica, como foi Waly Salomão. Há grandes nomes vindos das universidades, como Roberto Schwarz e Leyla Perrone-Moisés. Que mediação você faria entre essas duas instâncias?
Aquino - O exercício da crítica exige paixão. Essa, a meu ver, é mais honesta das ferramentas de um crítico. Melhor para a obra e autor analisados se ele dispõe de um instrumental especializado para fazer sua abordagem e expor suas reflexões.
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