terça-feira, 4 de setembro de 2018

ORELHA


Esta coluna reúne textos de Menalton Braff sobre livros de outros autores, alguns deles publicados como orelhas.

SEM RESPEITO PELOS LIMITES

O livro de Rovana é uma biografia, mas não uma biografia como sói acontecer com a maioria dos textos desse gênero. E são várias as razões para que assim seja. A começar pelo autor, Joaquim Maria, filho da saudosa Ruth Guimarães, integrante da Academia Paulista de Letras, e irmão da protagonista.

No decorrer do texto, encontram-se momentos de intenso afeto do irmão/autor por Rovana, em harmonia com a isenção do grande jornalista, que ele é. Mas não é só, tudo isso vazado numa linguagem elegantemente literária que torna agradável a leitura deste livro.

Contudo, não são apenas os aspectos formais e as táticas narrativas, que isso depende do narrador. A maior surpresa e o que mais surpreende é a protagonista da história, a Rovana.

O relato biográfico cobre a vida toda da personagem principal, cerca de cinquenta anos. E esta é uma história comovente de rompimento com os limites impostos pela natureza e suas circunstâncias.


Rovana nasceu surda-muda. Ninguém acreditava na criança como um ser capaz. Exceto a família. Escolas e hospitais fizeram parte das andanças da grande escritora que em momento algum perdeu as esperanças. E foi junto de seus irmãos que teve uma vida tanto quanto possível normal. Mesmo sem falar e ouvindo pouco mais que zero, e com o auxílio da professora Gioconda, a menina aos onze anos já lia e escrevia. Mas ainda não falava.

Sua escrita, sobretudo no âmbito da sintaxe, tem uma lógica muito peculiar, com atribuição de valores próprios a algumas palavras e outras tantas construções. O significado, entretanto, é sempre acessível.

Para a composição desta biografia, o autor se valeu dos 194 cadernos deixados pela protagonista, todos eles em forma de diário, onde registrava ações e emoções, a seu modo, e muitas vezes em uma linguagem com estranhamentos poéticos.

Alguns exemplos:

Mas agora eu sei falar e escutar. Eu falo tudo errado, porque não aprendi a falar direito. Eu ainda não estou mais na escola, porque eu não preciso. Sou só um pouco surda-muda. Eu trabalho aqui em casa, como dona-da-casa. 

Estou doendo muito o meu braço.

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