segunda-feira, 17 de dezembro de 2018

CARTAS DO INTERIOR

Esta coluna reúne crônicas inéditas de Menalton Braff.

Day After


Agora começa tudo de novo. Aquelas minúsculas lâmpadas começam a aparecer nas árvores e nas fachadas, vaga-lumes amarelos a piscar, piscar, piscar. Às vezes a gente entra em uma praça, à noite, com a sensação de que se está chegando ao firmamento.

Depois vêm os enfeites. Guirlandas e fitas coloridas, reproduções de todos os tipos e tamanhos do velhinho vermelho de barba branca. Os enfeites. Vitrinas e postes, portas domiciliares, tudo o que for visível precisa ficar mais bonito. E os cartões.

Infinidade de tipos de cartões, com imagens as mais variadas e nas mais variadas línguas. Está certo que ninguém sabe o que está escrito, como também ninguém conhece neve, pelo menos assim, ao vivo. Mas quem somos nós para duvidar de que foram os europeus que inventaram tudo isso?

Então, quando se vai aproximando o dia, os pacotes. Caixas que às vezes valem mais que seus conteúdos, belíssimas, com fitilhos brilhantes e topes soberbos. Parentes, amigos, vizinhos, todos merecem presentes. Amigo secreto, oculto ou invisível, não importa, o espírito é o de festa, de confraternização. E a preparação da ceia entra no rol das preocupações das donas de casa, já com tantas e complicadas razões para preocupar-se. Ceia sem peru? Deus que me livre e guarde! O que não vão dizer os amigos e vizinhos? Que estamos decadentes! No mínimo que estamos passando sérias dificuldades. Portanto, compre-se o peru. Não que sua carne seja mais saborosa ou nutritiva ou mais qualquer outra coisa do que outras carnes mais em conta no mercado.


Acontece é que o peru é extremamente popular lá na Europa, continente que no-lo mandou, com muitos cumprimentos e duplicatas.

Mas é claro que nem só dessas exterioridades se faz o espírito natalino. Claro que não. Sobretudo na véspera. A fisionomia das pessoas muda. Se se observam as pessoas que passam, pode-se ver claramente, pelo ar compungido com que andam, que a bondade e o espírito cristão da fraternidade passaram a habitar seus corações.

Cumprimentos efusivos, desejos de felicidades, pedidos de perdão e respectivos perdões, mil declarações das mais sinceras boas intenções (releve-se a rima, apesar de voluntária). Ah, e a alegria. Só um imbecil não se alegra com a descoberta repentina de que o mundo melhorou, as pessoas melhoraram, a maldade é pura maldade da imaginação de pessoas maldosas. E assim por diante.

Depois vem a noite N, a noite mais esperada do ano. O mundo, por uns instantes, tenta imitar o paraíso, em que leões compartilham seu espaço com cordeiros e homens (seres notoriamente desprotegidos). Tudo é paz, tudo é amor.

Infelizmente depois de um dia vem outro dia. O day after. E no outro dia, o dia vinte e seis de dezembro, todos armam-se novamente, agridem-se novamente, corrompem-se novamente, novamente cometem sem remorso as maiores monstruosidades. Será que algum dia o natal vai servir para algo mais do que o aumento dos negócios do comércio?

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