segunda-feira, 18 de fevereiro de 2019

CARTAS DO INTERIOR


Esta coluna reúne crônicas de Menalton Braff.

Tílburi



Tem dias que me recolho em mim, então não tem jeito: fico estatuado num canto, revendo passagens do passado, do meu passado.

Do meu passado, o que mais frequente me chega, são minhas leituras. De temperamento ameno, às vezes arredio (quando minhas opiniões eram menosprezadas), mesmo assim nunca fui de entrar na roda de muitos amigos. Claro que já descobri a causa disso – quando estava começando a solidificar alguma amizade, lá vinha a notícia: mês que vem vamos de mudança para outra cidade – transferências do meu pai.

Talvez esta voracidade de leitor, acredito nisso, seja uma compensação para a falta de amigos. Em lugar de amigos, eu tinha personagens. Visconde de Sabugosa, Pedrinho, Narizinho, Tarzã (ele também), um pouco mais tarde: Bentinho, Quincas Borba e Sofia, aquele Aires, tão elegante nos modos e no pensamento, e os dois irmãos gêmeos, a água e o vinho, ambos apaixonados pela Flora, era com pessoas assim, perdão, personagens, que passava as horas do dia e às vezes da noite também.
Foi nesta época, dos dez aos quatorze, mais ou menos, que me habituei com a ideia dos deslocamentos, sobretudo no Rio de Janeiro, quando a pessoa (quer dizer, personagem) não tivesse veículo próprio, alugava um tílburi por uma viagem.

Quando ingressei no Clássico, no Colégio Ruy Barbosa, de Porto Alegre (a escola não existe mais, hoje passa uma avenida por cima de seus alicerces enterrados) então quando iniciei o colegial, um professor de Português cujo nome já esqueci, mas me lembro de que ele fumava na sala de aula,
quase sempre um palheiro de bom perfume, começou a nos provocar com a leitura dos autores da Geração de 30. Não precisou mais do que alguns comentários assim meio soltos sobre tais escritores. A classe quase toda se atirou nos braços de Jorge Amado, Graciliano Ramos, José Lins do Rego, Rachel de Queiroz.

Sem a mesma ênfase, o professor nos abriu para Erico Verissimo. Ora, sendo um conterrâneo, era certo que já tínhamos então mais notícias do Erico que dos outros de sua geração.

Lendo os nordestinos, encontrei a palavra “táxi” em lugar do tílburi, e táxi era um veículo que eu conhecia, muitas vezes usava. Esse fato me encheu de alegria, pois descobri que em um romance pode-se falar das coisas que nos rodeiam.

Alegria maior, porém, foi encontrar meus tios e primos nos livros do Erico Verissimo. Usando as mesmas roupas, a mesma linguagem, os mesmos costumes. Isso foi algo que me deslumbrou. O Erico falava de uma gente que eu conhecia muito bem.

Neste momento resolvi: se o Erico Verissimo pode falar dos meus primos, eu também tenho este direito. E me parei a escrever.

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