terça-feira, 26 de março de 2019

ORELHA

Esta coluna reúne textos de Menalton Braff sobre livros de outros autores, alguns deles publicados como orelhas das respectivas obras.

Violência com ternura


Acabo de ser apresentado ao livro inaugural de Igor Galante, Violências, e esse é um conhecimento com muito prazer. Ele se lança em livro com a experiência de quem faz da língua instrumento de trabalho, mas tomando o cuidado de não usar nos contos a linguagem característica do jornalista. O Igor faz arte literária e começa com um belo arsenal de recursos artísticos.

No conto O velho e o menino, cria-se, desde o início, um clima de mistério, que passa por não dar nome às duas personagens, o velho e o menino, pois na realidade mais importam as relações entre os dois do que eles mesmos. Vale-se o autor, para a criação da atmosfera que interessa, de um vocabulário que, lido verticalmente, reforça a idéia de decadência. É assim que, nos dois primeiros parágrafos, encontramos sepulcro, lençol amarelecido, ossos, peito magro, pelancas, podre, áspero, gasto.

Os mestres do gênero, como Edgard Allan Poe, recomendam buscar-se desde o início o efeito único, no conto, e trabalhar o texto todo tendo em vista esse efeito desejado. É o que faz Igor Galante, e o faz com competência.

Algumas combinações e invenções dão à sua linguagem certo sabor agreste que desautomatizam a leitura, como são casos exemplares o velho não malandra, respira pequeno, boca imperfeita de dentes, e tantos outros que podem ser encontrados.

Quando se afirma quase que axiomaticamente que “um conto é seu discurso”, isto quer dizer que um
texto literário é irredutível e que paráfrase alguma pode substituí-lo.

É o que se encontra em todos os contos deste livro. Existe equilíbrio entre o tecido da linguagem, sua orquestração (o plano da forma) e as idéias expostas, o desenvolvimento do tema (o plano do conteúdo).

Outro recurso empregado com freqüência é a interlocução. No conto Duas amigas, encontram-se alguns exemplos, como “e ai de você se as julgar.” É um modo de arrastar o leitor para dentro do texto, tornando-o cúmplice de uma história. Esse mesmo conto exemplifica uma das tendências da literatura contemporânea, o brutalismo, presente em Violências. Mas o brutalismo de Igor Galante vem envolto em um lirismo de medida exata, sem exageros nem pieguice, o que o autor consegue com sua linguagem que, mesmo quando coloquial e solta, é uma linguagem esmerada de quem conhece seu ofício.

No conto Castilho, encontramos, de roupa nova, o tema da morte x eternidade. Mas sem o
ranço do filosofismo fácil, o que valoriza o livro. A incorporação da linguagem informática,
como diretório, arquivos, dão o sabor da modernidade.

Brutalidade, ato falho (como no conto O Reencontro), mistério, são alguns dos Ingredientes com que Igor Galante coze suas histórias, que ele nos serve em uma linguagem ágil e agradável. É um autor que domina sua ferramenta, e entra no mundo das letras pela porta da frente.

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