segunda-feira, 29 de julho de 2019

CARTAS DO INTERIOR

Esta coluna reúne crônicas de Menalton Braff.

Pátria amada, apesar de tudo


Antigamente mandava-se para a Europa a participação de nascimento do herdeiro, e os avós, ansiosos, empreendiam imediatamente a viagem  transatlântica para conhecer o neto. Na bagagem, os presentes. Não fraldas, baetas, cueiros ou chupetas.

Nada disso. Quem sabe um bacamarte para as primeiras caçadas do menino ou um par de botas com esporas, se eram de cavalaria. Hoje, um japonês espirra lá dentro de uma fábrica de Kioto e nós lhe desejamos saúde (em japonês, de preferência, se não ele não entende), ao que ele, sem largar os manetes da máquina, responde agradecido.

Nosso mundo globaliza-se aceleradamente, sem deixar muito espaço para a pátria, que, apesar de tudo (uma autoridade brasileira prestando continência a uma bandeira estrangeira, isso é subserviência), continua a ser amada. Principalmente em época de copa ou em dia de copo. E, quando o leão faz sociedade com o coelho (coitado), o rei da floresta tem tudo a lucrar com tal sociedade, que, se mais não lhe der, lhe dará, pelo menos, um regalo cheiroso num espeto. Nós, brasileiros, nesta véspera de aniversário da pátria, nos sentimos bem assim. Enfiaram-nos numa
enrascada de economia global, mentindo-nos que não havia outra solução, e agora pagamos a conta
sem ter consumido nada. Àqueles que pensam que não é possível viver isolados no mundo, é bom lembrar que isolados não, não é possível, mas submetidos, entregues de mãos e pés atados, como foi feito há poucos anos e continua sendo feito agora, neste instante, isso não, isso é mentira, não era necessário. Eu, pelo menos, não ganhei nada, absolutamente nada, com isso. Alguém ganhou. Você pode adivinhar?

Mas mudando de pátria pra mátria, duas semanas atrás uma Nossa Senhora em carne e osso visitou-nos e foi recebida com justificado júbilo. Justificado, sim, pois andamos muito carentes de forças do além, de forças sobrenaturais, porque, com as forças terrenais com que deveríamos contar, ah, meu Deus do céu, não anda fácil, não, tão esquecidos de nós têm-se mostrado tais forças. O Adamastor, outro dia, me disse que desistiu de acreditar em deus, pois nunca foi atendido). Dizem, eu não vi, mas me contaram, dizem que a Nossa Senhora, ao passar por algumas das ruas de nossa cidade, teria deixado escorrer duas lágrimas, grossas e quentes, apiadada (atenção, senhor revisor: é apiadada mesmo) com o abandono em que vivemos. Um dos pastores, destes que metem o pé nas santas em geral, teria ficado por trás de um muro, espiando o périplo da santa, sorriso escarninho nos lábios, certo de que ela acabaria caindo em algum buraco. De nada adiantou sua torcida: Nossa Senhora despediu-se sem ter sofrido um arranhão sequer. Para gáudio de todos nós, seus fiéis. O Adamastor continua rindo até hoje, perguntando se mudou alguma coisa.

Nenhum comentário:

Postar um comentário

http://twitter.com/Menalton_Braff
http://menalton.com.br
http://www.facebook.com/menalton.braff
http://www.facebook.com/menalton.braff.escritor
http://www.facebook.com/menalton.para.crianças