quinta-feira, 14 de novembro de 2019

CRÍTICA LITERÁRIA

Esta coluna reúne críticas literárias.

A CULTURA QUE VEM DOS GREGOS

(Wagner Coriolano de Abreu)

O escritor Urbano Zilles, na obra Teoria do conhecimento, denomina de fundamentos da cultura ocidental ao período que sucede o surgimento de Sócrates, com as assembléias populares e tribunais da razão em Atenas, e o legado da obra de Aristóteles, o fundador de uma escola do método experimental e responsável pela enorme empresa de reunir o conhecimento filosófico que chegou até ele.

Até o aparecimento dos sofistas, predominaram na filosofia as questões referentes à natureza. Os filósofos se ocupavam basicamente da physis grega. A partir deles, o homem passa a ser o centro das
atenções, o que aparece explicitamente no texto do sofista Protágoras: O homem é a medida de todas as coisas. Os critérios de avaliação das coisas deveriam ser norteados pelas necessidades do homem.

Sócrates surge neste contexto contrariando, a princípio, a prática destes filósofos sabichões. Ele falava nas praças, a toda gente, não fazendo acepção de interlocutores, aplicando um estranho méto-
do de parto das ideias. Nada deixou escrito e tudo que sabemos a seu respeito se encontra nos diálogos de Platão, que foi seu discípulo, e alguma coisa nas obras de Aristófanes e Xenofonte.

Antes de expor o que foi seu método tão arrojado como simples, examino sua atitude frente ao conhecimento, dado que esta conduta foi inauguradora e ousada em relação às circunstâncias do
debate filosófico. Sócrates se negou a cobrar pelo conhecimento produzido junto, contrariando os sofistas, que cobravam pelo discurso filosófico a seus ouvintes. Afirmava que a atividade do filósofo se assemelha ao trabalho da parteira. Não se considerava o dono das ideias que surgiam entre ele e os
outros. As ideias, para ele, eram coisas naturais e todas as pessoas estavam em condições de concebê-
las. Primeiro, ouvia o interlocutor, fazendo-lhe algumas perguntas, como se não soubesse de nada. Ainda neste momento, conseguia levá-lo a verificar os pontos fracos da argumentação. Chegava, por-
tanto, a uma distinção entre o certo e o errado. O processo ficou conhecido para a posteridade pedagógica como maiêutica.

Sócrates se colocava no nível das pessoas e, muitas vezes, para de fato conseguir uma comunicação libertadora, teve que se fingir de mais tolo e ignorante do que era. Este tipo de postura ficou conheci-
do como ironia socrática. Ficou como marco referencial da nossa formação cultural por uma razão muito especial e pouco entendida: como ponto de partida para as suas perquirições, tinha o desejo de
conhecer algo maior que ele, a sabedoria, e constatou que existe dentro do homem as condições para se atingir este fim. Acreditava que se um homem erra é porque não tem os conhecimentos necessá-
rios para discernir e fazer melhor. Por isso, buscava incessantemente a sabedoria.

Na esteira do pensamento deste homem enigmático, segue outro não menos importante para se compreender a nossa cultura e a base de uma possível democracia entre nós. Este foi Platão, que ficou para a posteridade como o pai dos Diálogos. A figura central nos diálogos é Sócrates. Várias fontes nos dão a notícia de que Platão foi discípulo de Sócrates. Naquele contexto, discípulo era muito mais que mero expectador, tomando para si muito das ideias do mestre. Platão usou a palavra para refutar qualquer engodo que fosse aplicado pelos professores da época. Neste sentido, filiou-se à tradição socrática.

Mas não é certo que sua teoria dos mundos tem a ver com Sócrates. O fato é que Platão criou uma explicação original para o problema das fontes do conhecimento. Segundo ele, existem dois mundos: o mundo das ideias eternas (da alma pré-existente e imortal) e o mundo sensível (da multiplicidade, movimento, aparências). Por meio dela, propõe a solução acerca das coisas do mundo. Aprender,
portanto, significa recordar a ideia eterna que está por trás da sombra, do sensível. É a reminiscência platônica.

A doutrina da reminiscência tem como pressuposto a concepção de uma verdade inata. Por alguma razão, a alma que já existia se ligou a um corpo do mundo das aparências e esqueceu-se daquelas
verdades. Aprender, então, passou a ser o despertar para um sentido anterior ao aparente. O homem aprende quando se encontra com as coisas deste mundo por um ato de amor, quando passa a desejar o
conhecimento da beleza, que pode ser o saber ou sabor das coisas. Enquanto permanece contemplando as coisas aparentes, ele apenas vê sombras, que são como bolhas de sabão, pouco precisas. Terá que percorrer o caminho que o levará do mundo das sombras ao mundo das ideias perfeitas. Platão apresenta esta passagem com o mito da caverna, que se encontra no famoso diálogo A República.

Completando o ciclo dos fundadores da cultura ocidental, vem o nome de Aristóteles, que foi aluno de Platão na Academia, nascido na Macedônia, de pai médico. Desde cedo, o jovem se interessou
pelas coisas da natureza e se tornou um observador perspicaz. Aristóteles não podia conceber o conhecimento como algo exterior ao homem. Se para Platão havia uma forma anterior a uma coisa, Aristóteles dirá que esta forma reside na coisa, sendo sua característica própria. Para ele, a ideia e a coisa são inseparáveis.

Segundo Aristóteles, o conhecimento que podemos ter advém do mundo sensível, é captado pelos sentidos e nos chega ao intelecto na forma de conceitos, que são universais. É um processo de sensação e intelecção. Na perspectiva aristotélica, não é possível fazer ciência a partir de ideias particulares. O homem precisará abstrair o conceito universal da imagem sensível. Neste conceito não haverá contingência. É o princípio da não contradição. Uma coisa não pode ser e não ser. O conhecimento de algo tem que ser certo e verdadeiro. Aristóteles nos legou a primeira organização possível do conhecimento através da lógica, ciência que estabelece os princípios de ordenação dos conceitos do homem.

Os fundamentos da cultura ocidental podem ser apreciados com mais vagar na leitura de vários autores contemporâneos, dentre os quais, destaco o trabalho de François Châtelet, Uma história da razão, de Jostein Gaarder, O mundo de Sofia e de Urbano Zilles, Teoria do conhecimento. É preciso ir às obras de Platão e Aristóteles, que têm boas traduções.

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