quinta-feira, 26 de dezembro de 2019

CRÍTICA LITERÁRIA

Esta coluna, iniciada em outubro, reúne críticas literárias. As primeiras postagens conterão textos de Wagner Coriolano de Abreu, publicados originalmente no livro SEMPRE AOS PARES, lançado pela Carta Editora.

CAMINHOS DE LEITURA EM MOACYR SCLIAR

Ainda bem que o escritor Moacyr Scliar publicou contos no jornal O Estado de São Paulo, nos anos oitenta, do século passado. O encarte Cultura, tablóide encartado na volumosa edição de domingo, reunia o texto de destacados intelectuais, ensaístas nas diversas áreas do conhecimento – política, cultura, arte, economia, educação, filosofia, entre outras – e fechava na contracapa com um texto ficcional. Li o magnífico O homem da ampulheta, que depois foi publicado em livro, na coleção 10, da Editora Horizonte, em parceria com o Instituto Nacional do Livro.

Encontrei os 10 Contos Escolhidos muito tempo depois, na estante de uma biblioteca pública. À época do conto, em papel jornal, morava na cidade de São Paulo e pouco circulava por bibliotecas, quando muito catava leituras na banca de jornal e alguma livraria. Ainda desconhecia que Moacyr Scliar era médico porto-alegrense e já houvera publicado alguns clássicos da contemporânea narrativa brasileira. O conto O homem da ampulheta é criação posterior aos livros O carnaval dos animais, Mês de cães danados e O centauro no jardim. Agora sei que minha descoberta tem a ver com a discreta elegância escritor. Em agosto de 2010, o Ignácio de Loyola Brandão abriu o debate Roda Viva, da tevê Cultura, afirmando desconhecer que Scliar tinha um Jaime em seu nome. Moacyr Jaime Scliar.

Leitor assíduo dos jornais, Scliar popularizou um exercício produtivo de leitura literária, quando semanalmente escrevia um texto de ficção baseado em notícia da Folha de São Paulo. Como colunista de jornal, manteve uma coluna às segundas-feiras na Folha e outra aos sábados, cena médica, na Zero Hora de Porto Alegre.

Há muito tempo vivendo no Rio Grande do Sul, retornei à obra do Scliar pela porta da literatura dita juvenil, lendo Iniciação à prática amorosa. Esta novela literária, escrita em 1988, efetivamente abre um diálogo de gerações. Em seguida, o gosto pela história de médicos que escrevem, ou são matéria de escritor, me levou ao romance Sonhos tropicais (1992), baseado na vida de Oswaldo Cruz, ao ensaio A paixão transformada (1996), reunião de textos que publicou na imprensa, quando esteve lecionando nos Estados Unidos, e ao romance A majestade do Xingu (1997), onde recria a vida do médico russo Noel Nutels, que veio ao Brasil e trabalhou com comunidades indígenas.

Agora retorno à leitura do famoso conto. Faz quase trinta anosque o homem da ampulheta bateu à porta do meu imaginário. De lá pra cá, tivemos uma vida e uma história. O narrador do Scliar, contudo, continua a provocar com a manha fictícia, com aquele homem fechado diante de uma convenção, dizendo que a ninguém mostrava a ampulheta. Como máquina de produzir sentido, o conto recoloca a questão do homem e seu destino.

Nenhum comentário:

Postar um comentário

http://twitter.com/Menalton_Braff
http://menalton.com.br
http://www.facebook.com/menalton.braff
http://www.facebook.com/menalton.braff.escritor
http://www.facebook.com/menalton.para.crianças