quarta-feira, 25 de dezembro de 2019

CANTIGAS DE AMIGOS

Imagem de LUM3N por Pixabay 
IV
(João Augusto)

Para Simone Gutierrez

“Senhor Jesus, o século está pobre.
Onde é que vou buscar poesia?
Devo despir-me de todos os mantos,
os belos mantos que o mundo me deu.”
(Jorge de Lima, em O poeta diante de Deus)


O ar amadurece as nuvens, os pássaros, os sonhos. A terra amadurece o homem, preso em aparelhos de envelhecer. O século está pobre, Jorge. Onde é que vou buscar arroz e poesia? Pobre o rosto paralisado, nem mais um riso. O dia de colher a rua e seus novos pobres. Há falta de cisne nos olhos das pessoas. O presente embaciado, duro, empobreceu a língua e o estômago de minha gente. São pobres as canções de interpretar o mundo. Os cartões de Natal, que já não trocamos. Devo despir-me do que é belo? Nascem cem palavras de dentro de outra palavra. Um amor não nasce. O grito como coisa pública de anunciar o peso do esquecimento sobre os ombros. Na explosão dos edifícios órfãos de humanidade, sobe com o vento a palavra que deixamos de dizer. Nada dança ou reluz diante do sol dos olhos. Nem galos avançam sobre a manhã. Mas tuas mãos, como asas abertas, escrevem, o voo que a noite não pode impedir.

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