quinta-feira, 16 de janeiro de 2020

CRÍTICA LITERÁRIA

Esta coluna, iniciada em outubro, reúne críticas literárias. As primeiras postagens conterão textos de Wagner Coriolano de Abreu, publicados originalmente no livro SEMPRE AOS PARES, lançado pela Carta Editora.

DOIS CONTISTAS NA SINUCA

(Wagner Coriolano de Abreu)

João Antônio e Sérgio Faraco pertencem à geração do conto contemporâneo, cuja produção inicia nos anos 60, século 20. A narrativa destes escritores desenha um retrato imaginário do Brasil, por meio de excelente carpintaria textual, abastecida na leitura dos clássicos modernos. Em 1997, Faraco reflete sobre seu silêncio nas letras e afirma que nunca publicara um conto que tivesse custado menos de um ano de suor e desespero.

Malagueta, Perus e Bacanaço (1963), o primeiro livro de João Antônio, reúne nove narrativas, entre as quais o conto homônimo que dá título ao volume, e trata da vida de três jogadores de sinuca, na noite paulistana, se bem que a temática extrapola o contexto daquela cidade, pois se refere a uma realidade nacional e popular. A história destes contos de João Antônio tem a ver com a declaração de Faraco, pois os originais que seriam enviados à editora queimaram no incêndio da casa onde morava, de modo que os reescreve a partir dos esboços que enviava nas cartas e através da memória.

O segundo livro de contos de Sérgio Faraco, Depois da primeira morte (1974), presta homenagem a Mario Quintana, que escreveu Da vez primeira que me assassinaram/ Perdi um jeito de sorrir que eu
tinha.../ Depois, de cada vez que me mataram,/ Foram levando qualquer coisa minha... Estes versos também aparecem no perfil de Quintana traçado por João Antônio, na década de 80, antes que o poeta fizesse oitenta anos.

À parte as duas aproximações – o jogo da sinuca e a poesia de Quintana –, estes contistas estiveram unidos pela tarefa de uma leitura literária do cotidiano brasileiro. Tanto Faraco como João Antônio
se colocam como representantes de uma gente que não é muito ouvida ou percebida pelas autoridades. Nesse sentido, o homem se encontra no epicentro da produção artística. Quando declara que a arte tem dívida com a realidade, poucos meses antes da morte, João Antônio se refere à realidade humana, amor, solidão, inveja, ciúme, necessidade de carinho e aventura humana.

O conto Saloon, de Sérgio Faraco, publicado em 2000, apresenta uma partida de sinuca que é uma aposta, o jogo vida, o joguinho mais ladrão de quantos há na sinuca. O negro Gorila ganha do velho
de tez azeitonada e ainda bate em sua perna com um joelhaço. Em seguida, um rapaz de rabo-de-cavalo, que assiste ao jogo e à cena, desafia o ganhador e o vence. O negro tenta impedí-lo de levar o
dinheiro, mas é barrado por uma faca que o moço traz guardada sob o colete. Já na rua, na volta da esquina, o rapaz se encontra com o velho numa lanchonete e saem para comer uma pizza.

Sob o ponto de vista de João Antônio, Faraco realiza a tarefa de intérprete da vida brasileira e se aproxima da vida real, cuja dinâmica abrange o universo dos que não têm voz, os que vivem do jogo e da sorte. Através de Malagueta, Perus e Bacanaço e Saloon é possível entender a linguagem que é própria dos ambientes de salão de sinuca, síntese do patético da vida, como registra João Antônio na saudosa Revista Realidade, outubro de 1967.

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