O CÉU DA IMAGINAÇÃO (Virgínia Finzetto)
Quando se mudou para o apartamento do quinto andar do novo
bairro, Ana teve que respirar fundo para não cair em prantos. Qualquer cena
apaixonada, como a do casal se beijando na portaria do prédio, era motivo para
alimentar sua tristeza. Esses detalhes mostravam a desolada realidade de sua
atual condição, reprisavam lembranças do que imaginou serem os dias mais
felizes ao lado do último marido, agora apenas o ex, que acabara de lhe pedir o
divórcio.
A dor da separação ainda pulsava em sua jugular e tirava seu
coração do ritmo. Estava difícil deixar para trás uma parte de si mesma. Agora
estava só, cuidando da metade que restara de mais uma quimera. Ainda limpando
as lágrimas dos olhos, recordou-se do episódio da loja.
Certo dia, comprando uma roupa nova para preencher o vazio
da alma e da baixa autoestima, enquanto procurava qualquer coisa nas araras,
deu de cara com uma imagem: "Nossa, que mulher mais parecida
comigo...". Mas não havia mulher; era um espelho atrás das roupas
penduradas. Quando percebeu o engano, ficou tão chocada e surpresa com sua
reação diante da própria imagem, que permaneceu ali por uns instantes pensando
quem seria essa que não se reconhecia mais.
Esse insight fora tema de várias sessões de análise, até
chegar à conclusão de que se conhecia pouco, ou quase nada, e nem mesmo
aceitava sua aparência real. Tudo em si havia sido uma farsa, alguém que
sobrevivera das energias do chakra básico, regida por impulsos histéricos e
pelo arder da própria vulva hipnotizada por uma sensualidade perversa.
Pagou caro para descobrir que o que havia perdido fora a paz
interior que a tornara vulnerável a tantas relações tóxicas e doentias. Agora,
em seu novo endereço, pretendia resgatar sua vida e seu equilíbrio emocional à
custa de quase todo o salário gasto em horas semanais de terapia.
Na primeira noite, a costumeira insônia. No silêncio do
quarto, Ana começou a divagar em lembranças até se sentir atraída pelos sons
que vinham do teto. O ritmo lento dos movimentos do que evidenciava ser uma relação
sexual ia adquirindo força naquele céu. Logo percebeu sua respiração suspensa e
cada vez mais envolvida pela sinfonia dos pés da cama arranhando com vigor o
assoalho do apartamento de cima. Quase ofegante, conseguia ouvia os gemidos
aumentarem gradativamente, até explodirem em gritos de prazer.
Aquilo a excitara de tal maneira que não pôde evitar tocar
sua vagina com desespero, pensando apenas em si. Mas logo os sons lascivos
retornaram e dessa vez ela se entregou a ménage à trois à distância, ouvindo e
sentindo na pele o tesão e a volúpia de carícias ofegantes lambuzadas com
palavras obscenas.
Durante toda aquela primeira noite, Ana explorou partes do
corpo há tempos ignoradas e se imaginou sendo tocada e desejada por aqueles
seres incógnitos em cópula, enquanto atingia múltiplos orgasmos solitários em
seu deleite com o próprio colchão. Exausta de prazer, acabou pegando no sono.
Acordou já no meio da tarde e se arrumou para sair.
Precisava comer alguma coisa. Chamou o elevador, que estava parado no andar de
cima, e, quando a porta dele se abriu, deu de cara com o casal, o mesmo que
havia encontrado na portaria no dia anterior, de mãos dadas e trocando olhares
maliciosos.
Dali em diante, naquele mesmo horário, a mesma cena se
repetiria todos os dias. Assim que o elevador abria as portas, os três se
cumprimentavam com sorrisos íntimos, mal disfarçando a cumplicidade pelas
noitadas em claro.
Pelo tempo que durou a combustão dos recém-casados em lua de
mel, Ana teve entretenimento farto.
Então, naquele dia em que as portas do elevador se abriram e
não havia ninguém ali, ela descobriu que sua insônia também havia lhe
abandonado. Como mágica, antes que se tornasse uma adicta daquela droga sexual
inventada, voltou a ter desejos de experimentar um novo relacionamento, mais
real do que a sua imaginação.
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