terça-feira, 7 de janeiro de 2020

TRABALHO ACADÊMICO ANALISA CONTO "O VIOLINISTA"

O conto O violinista*, do livro O Peso da Gravata, de Menalton Braff, foi analisado pela pesquisadora Claudia Maria de Serrao Pereira, da Universidade Federal de São Carlos, no âmbito do artigo Uma Reflexão Sobre o Impressionismo Literário Através de Crìticos Brasileiros, publicado pela Revista Afluente, da UFMA-Universidade Federal do Maranhão.

Tendo em vista a extensão do texto, exibimos, nesta postagem, apenas o trecho que contém a análise do conto, mas os interessados em ler o artigo completo poderão acessar o site da revista e baixar o PDF

O link para o artigo completo também está inserido - e permanecerá - na primeira página do blog, dentro da seção de estudos acadêmicos, localizada na coluna lateral direita.


A análise do conto O violinista de Menalton Braff


(...)
Conforme nossos três teóricos, a narração de uma observação é o passo principal para compreensão do texto impressionista. Por este motivo, como análise literária, escolhemos um conto contemporâneo em que houvesse traços evidentes da observação do narrador, para que pudéssemos mostrar como a técnica e a estética impressionista está presente não apenas nos textos do período oitocentista como também nos textos atuais.

No conto “O violinista” do livro O peso da gravata e outros contos de Menalton Braff, a observação é usada pelo narrador de primeira pessoa não apenas para contar a história do seu amigo violinista, mas também como estratégia para manter o leitor em contínua observação. Na leitura do enredo, temos o narrador que, ao chegar a um clube, escuta um som de violino, e logo percebe que aquele som e a forma de execução eram de Antenor Braga, seu amigo violinista. Contudo, havia um tempo que ele não havia tido notícias ou procurado saber sobre seu amigo e seu jovem spala. Neste momento, o narrador se aproxima de suas memórias e relembra dos momentos em que ele visitava o violinista no camarim:

A porta do clube era um clarão de festa sobre o escuro da noite garoenta, quando atravessei a rua muito perpendicular e apressado, pisando por cima de sua umidade. Mal atingi a calçada, o lado de lá, me dei conta de uma certa inflexão familiar naquele som que escapava pelas aberturas do saguão. Não pela melodia, uma ária plangente e bela, executada com bastante frequência por muitos violinistas. Não. O que me parecia familiar era a execução. Eu conhecia apenas um violinista capaz de arrancar tais soluços das notas mais graves de seu instrumento, que se alternavam com gritos agudos e lancinantes. Em suas mãos, o instrumento tinha alma. (BRAFF, 2016, p.15).

Embora a história lida em um primeiro momento não pareça se sustentar como particular, especialmente quando lemos o final, essa utilização que o narrador usa da memória, será a manobra estética principal da construção do texto. Como afirma Coutinho, a leitura impressionista deve começar pelo foco das sensações e das emoções criadas pelo narrador através das memórias e não pelos acontecimentos.

A partir do escutar do som, inicia-se o desenvolvimento da história, pois o narrador é seduzido pelo instrumento que toca a sua memória. Nesta circunstância, podemos passar o plano inicial do conto sobre a orquestra e o jovem spala para a experimentação psicológica do som,  provocada pelo violino na subjetividade desse narrador em primeira pessoa. É por causa desse som que ações posteriores ocorrerão e ele é que causará também confusões na continuidade da leitura.

Deste modo, a estimulação da subjetividade pela execução do som causa uma instabilidade do espaço, do tempo e dos personagens, além da fragmentação da narrativa. Ou seja, quando se lê o texto, sente-se que não existe uma linha contínua dos momentos. Pelo contrário, há vários fragmentos de sensações do narrador, que começam desde a sua aproximação com o Antenor Braga parado no meio do salão, com aquele sentimento de admiração, até ao seu sentimento de raiva do público, que não respeita a presença do seu amigo:

Parei em sua frente, horrorizado com o que via, indignado com a crueldade do destino: o maior talento que cruzei na vida submetido à indiferença de um público que não era o seu. Cravei-me no granito da escada numa tentativa desesperada de proteger meu amigo de corpos mais pesados, com seus ouvidos de arame farpado. Em alguns momentos esqueci com os cotovelos as lições de boas maneiras. (BRAFF, 2016, p.17)

Essas sensações são chamadas por Coutinho de captação dos momentos das ações. No texto impressionista, a descrição sempre estará em contatos múltiplos e associada à subjetividade do narrador; as ações não ocorrem de modo isolado. Se elas fossem isoladas, terse-ia um conto que apenas enfatizaria a relação do narrador com seu amigo, e não da presença de outros elementos compostos na narrativa, que asseguram a força dessa subjetividade, por exemplo, a descrição do espaço do salão em que os dois estão, é importante para a movimentação narrativa do conto.

Outra parte do texto, é o experimento da realidade pela subjetividade. A subjetividade e criatividade são características que se entrecruzam no Impressionismo, no sentido de que o ato de observar e do expurgar das sensações serão realizadas pelo uso das figuras de linguagem. O conto, por exemplo, tem usos de catacrese quando o leitor descobre que Antenor é uma estátua, no entanto só há certeza de que ele não é realmente uma estátua, quando se ler o final do conto.

No começo, pensa-se que o Antenor é uma pessoa que está parada no salão e sem movimentos corporais, contudo, conforme o aprofundamento do texto, percebe-se que o narrador entrecruzou elementos de uma realidade de um momento com sua subjetividade:

Seu rosto de alabastro não tinha mais vida, apesar de sua expressão de sofrimento: os lábios apertados e imóveis, os olhos escondidos e duas rugas na testa. Sua última reação parece ter sido o desejo frustrado de encolher-se, de desaparecer. E então parou. (BRAFF, 2016, p.18)

A estátua feita de alabastro, um material de gesso e calcite, e que o narrador usa para comparar com o corpo de Antenor, dá a impressão por um primeiro momento que é a sensação do personagem Antenor que estamos lendo. No entanto, analisando pelas características teóricas dos críticos desse artigo, percebe-se que o primeiro momento é transpassado por um segundo momento, alcançando um alto viés subjetivo:

ao me aproximar, o corpo todo úmido, mas agora de suor, percebi que ele não podia ouvir seu nome, que eu repetia apavorado. Cheguei a tocar sua mão com meus dedos, que se mancharam de branco como se ele fosse de gesso. (BRAFF, 2016, p.18)

Sendo assim, Antenor é um objeto de gesso. Essa afirmação se confirma pela mulher - a faxineira - que o narrador encontra no salão, que fala para ele que a estátua foi devolvida para o depósito:  “Por fim a mulher se abriu num sorriso manso, ah, aquela estátua de gesso. Pois então, o caminhão da prefeitura já tinha levado para o depósito” (BRAFF, 2016, p.19) Provavelmente, aquela mancha branca que o narrador tinha sentido no seu amigo ao tocá-lo, tenha relação com os tópicos inicias que começam o conto: a crise da orquestra e o afastamento do narrador em relação ao Antenor. Desse modo, será que o Antenor morreu? Que morte é essa?

Além disso, pode-se afirmar que o conto, além desse uso das figuras e transposições de ações, foca também no fato do narrador não aceitar a morte do seu amigo. Essa não aceitação do narrador se percebe no fim da leitura, quando ele entende que o Antenor era um objeto. A estátua cristalizada, portanto, poderia expressar essa dificuldade e a dependência do narrador em ainda acreditar que seu amigo estivesse vivo.

Essa dependência pode ser vista em dois momentos. No primeiro, quando ele comenta que a culpa é dele de não ter notícias de Antenor. Essa atitude mostra uma relutância em relação à morte do seu amigo, sendo mais evidenciada quando ele comenta que pensou poucas vezes no Antenor desde então:

Várias vezes fui visitá-lo no camarim e o encontrava sempre estudando como se fosse aquela sua primeira apresentação. Em minhas críticas no Diário, não me cansava de elogiar o talento que o jovem aliava a um estudo muito sério. Não sei se me culpo a mim ou à vida que levo pelo esquecimento, mas a verdade é que durante este tempo todo muito poucas vezes pensei no meu amigo. (BRAFF, 2016, p.15)

E o segundo momento, quando Antenor abre os olhos e percebe toda situação:

Fiquei com medo de que o Antenor fosse desmaiar e olhei em volta, procurando alguma ideia de socorro. Com estranha lentidão, ele voltou a segurar o violino entre o queixo e a clavícula, erguendo o arco preso pela mão direita até quase a altura da cabeça. E então parou. Seu rosto de alabastro não tinha mais vida, apesar de sua expressão de sofrimento: os lábios apertados e imóveis, os olhos escondidos e duas rugas na testa. Sua última reação parece ter sido o desejo frustrado de encolher-se, de desaparecer. E então parou.(BRAFF, 2016, p.18)

As sensações de Antenor são mobilizadas pelo próprio narrador de modo constante, ainda que muitas vezes apenas se acredite que o narrador esteja informando uma notícia de que Antenor teve uma morte repentina a que ninguém prestou atenção. Contudo, quando se lê o final do conto, de acordo com as ideias de sequências e sobreposições da estética impressionista, descobre-se que toda a cena imaginativa e sensações são do próprio narrador.

É como se fosse um jogo de omissões, onde o jogo entre personagem e narrador fosse a estratégia para deter a leitura em uma superficialidade primeira, uma mentira. Essa questão é o que colabora para a formação de um texto impressionista. Não há como analisá-lo apenas pela forma que se aplica uma figura de linguagem ou a construção de oração; o texto se constitui também pelo modo que o narrador desenvolve a sua estratégia de focalização em todo texto, muitas vezes enganando o leitor.

Essa última análise está próxima ao que Sandanello comenta sobre a presença cognitiva em um texto. A leitura do texto impressionista exige uma aproximação com a focalização narrativa, pois as respostas não estão apenas em leituras primeiras ou estruturas sintáticas, elas estão também em outras que constituem todo um sentido, como no caso da percepção que narrador mobiliza. Além disso, a leitura impressionista dispõe de uma interpretação em várias camadas textuais, uma vez que dependendo do modo como é lida pelo leitor, pode ter várias possibilidades de finais.

Por mais que o texto aparente não ter um final muito arrojado, a construção estética do conto apaga essa impressão devido às várias justaposições de descrições e sensações. E, é justamente, na ação dos detalhes que se entende o foco da leitura. O conto não é uma notícia de uma morte, mas sim a dependência psíquica que o narrador tem com seu amigo. Por isso, o texto impressionista se diferencia bastante das outras escolas, uma vez que a primeira leitura nunca é a definitiva e, possivelmente, nem outras. Como afirma Martins, a observação é essencial para que se entenda o pontilhismo que o texto impressionista cria. São as pequenas costuras da narração, que ao princípio parecem não conter tanto detalhes, mas que integram toda a proeza e estética do Impressionismo.

(...)

*O conto O violinista será postado aqui no blog na próxima sexta-feira.

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