O conto O violinista*, do livro O Peso da Gravata, de Menalton Braff, foi analisado pela pesquisadora Claudia Maria de Serrao Pereira, da Universidade Federal de São Carlos, no âmbito do artigo Uma Reflexão Sobre o Impressionismo Literário Através de Crìticos Brasileiros, publicado pela Revista Afluente, da UFMA-Universidade Federal do Maranhão.
Tendo em vista a extensão do texto, exibimos, nesta postagem, apenas o trecho que contém a análise do conto, mas os interessados em ler o artigo completo poderão acessar o site da revista e baixar o PDF.
O link para o artigo completo também está inserido - e permanecerá - na primeira página do blog, dentro da seção de estudos acadêmicos, localizada na coluna lateral direita.
*O conto O violinista será postado aqui no blog na próxima sexta-feira.
Tendo em vista a extensão do texto, exibimos, nesta postagem, apenas o trecho que contém a análise do conto, mas os interessados em ler o artigo completo poderão acessar o site da revista e baixar o PDF.
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A análise do conto O violinista de Menalton Braff
(...)
Conforme nossos três teóricos, a narração de uma observação é o passo principal para compreensão do texto impressionista. Por este motivo, como análise literária, escolhemos um conto contemporâneo em que houvesse traços evidentes da observação do narrador, para que pudéssemos mostrar como a técnica e a estética impressionista está presente não apenas nos textos do período oitocentista como também nos textos atuais.
Conforme nossos três teóricos, a narração de uma observação é o passo principal para compreensão do texto impressionista. Por este motivo, como análise literária, escolhemos um conto contemporâneo em que houvesse traços evidentes da observação do narrador, para que pudéssemos mostrar como a técnica e a estética impressionista está presente não apenas nos textos do período oitocentista como também nos textos atuais.
No conto “O
violinista” do livro O peso da gravata e outros contos de Menalton Braff, a
observação é usada pelo narrador de primeira pessoa não apenas para contar a
história do seu amigo violinista, mas também como estratégia para manter o
leitor em contínua observação. Na leitura do enredo, temos o narrador que, ao
chegar a um clube, escuta um som de violino, e logo percebe que aquele som e a
forma de execução eram de Antenor Braga, seu amigo violinista. Contudo, havia
um tempo que ele não havia tido notícias ou procurado saber sobre seu amigo e
seu jovem spala. Neste momento, o
narrador se aproxima de suas memórias e relembra dos momentos em que ele
visitava o violinista no camarim:
A porta do clube era um clarão de
festa sobre o escuro da noite garoenta, quando atravessei a rua muito
perpendicular e apressado, pisando por cima de sua umidade. Mal atingi a
calçada, o lado de lá, me dei conta de uma certa inflexão familiar naquele som
que escapava pelas aberturas do saguão. Não pela melodia, uma ária plangente e
bela, executada com bastante frequência por muitos violinistas. Não. O que me
parecia familiar era a execução. Eu conhecia apenas um violinista capaz de
arrancar tais soluços das notas mais graves de seu instrumento, que se
alternavam com gritos agudos e lancinantes. Em suas mãos, o instrumento tinha
alma. (BRAFF, 2016,
p.15).
Embora a
história lida em um primeiro momento não pareça se sustentar como particular,
especialmente quando lemos o final, essa utilização que o narrador usa da
memória, será a manobra estética principal da construção do texto. Como afirma
Coutinho, a leitura impressionista deve começar pelo foco das sensações e das
emoções criadas pelo narrador através das memórias e não pelos acontecimentos.
A partir do
escutar do som, inicia-se o desenvolvimento da história, pois o narrador é seduzido
pelo instrumento que toca a sua memória. Nesta circunstância, podemos passar o plano
inicial do conto sobre a orquestra e o jovem spala para a experimentação psicológica do som, provocada pelo violino na subjetividade desse
narrador em primeira pessoa. É por causa desse som que ações posteriores
ocorrerão e ele é que causará também confusões na continuidade da leitura.
Deste modo,
a estimulação da subjetividade pela execução do som causa uma instabilidade do
espaço, do tempo e dos personagens, além da fragmentação da narrativa. Ou seja,
quando se lê o texto, sente-se que não existe uma linha contínua dos momentos.
Pelo contrário, há vários fragmentos de sensações do narrador, que começam
desde a sua aproximação com o Antenor Braga parado no meio do salão, com aquele
sentimento de admiração, até ao seu sentimento de raiva do público, que não
respeita a presença do seu amigo:
Parei em sua frente, horrorizado com
o que via, indignado com a crueldade do destino: o maior talento que cruzei na
vida submetido à indiferença de um público que não era o seu. Cravei-me no
granito da escada numa tentativa desesperada de proteger meu amigo de corpos
mais pesados, com seus ouvidos de arame farpado. Em alguns momentos esqueci com
os cotovelos as lições de boas maneiras. (BRAFF, 2016, p.17)
Essas
sensações são chamadas por Coutinho de captação dos momentos das ações. No texto
impressionista, a descrição sempre estará em contatos múltiplos e associada à subjetividade
do narrador; as ações não ocorrem de modo isolado. Se elas fossem isoladas,
terse-ia um conto que apenas enfatizaria a relação do narrador com seu amigo, e
não da presença de outros elementos compostos na narrativa, que asseguram a
força dessa subjetividade, por exemplo, a descrição do espaço do salão em que
os dois estão, é importante para a movimentação narrativa do conto.
Outra parte
do texto, é o experimento da realidade pela subjetividade. A subjetividade e
criatividade são características que se entrecruzam no Impressionismo, no
sentido de que o ato de observar e do expurgar das sensações serão realizadas
pelo uso das figuras de linguagem. O conto, por exemplo, tem usos de catacrese
quando o leitor descobre que Antenor é uma estátua, no entanto só há certeza de
que ele não é realmente uma estátua, quando se ler o final do conto.
No começo,
pensa-se que o Antenor é uma pessoa que está parada no salão e sem movimentos
corporais, contudo, conforme o aprofundamento do texto, percebe-se que o narrador
entrecruzou elementos de uma realidade de um momento com sua subjetividade:
Seu rosto de alabastro não tinha mais
vida, apesar de sua expressão de sofrimento: os lábios apertados e imóveis, os
olhos escondidos e duas rugas na testa. Sua última reação parece ter sido o
desejo frustrado de encolher-se, de desaparecer. E então parou. (BRAFF, 2016, p.18)
A estátua
feita de alabastro, um material de gesso e calcite, e que o narrador usa para comparar
com o corpo de Antenor, dá a impressão por um primeiro momento que é a sensação
do personagem Antenor que estamos lendo. No entanto, analisando pelas
características teóricas dos críticos desse artigo, percebe-se que o primeiro
momento é transpassado por um segundo momento, alcançando um alto viés
subjetivo:
ao me aproximar, o corpo todo úmido,
mas agora de suor, percebi que ele não podia ouvir seu nome, que eu repetia
apavorado. Cheguei a tocar sua mão com meus dedos, que se mancharam de branco
como se ele fosse de gesso. (BRAFF, 2016, p.18)
Sendo assim,
Antenor é um objeto de gesso. Essa afirmação se confirma pela mulher - a
faxineira - que o narrador encontra no salão, que fala para ele que a estátua
foi devolvida para o depósito: “Por fim
a mulher se abriu num sorriso manso, ah, aquela estátua de gesso. Pois então, o
caminhão da prefeitura já tinha levado para o depósito” (BRAFF, 2016, p.19) Provavelmente,
aquela mancha branca que o narrador tinha sentido no seu amigo ao tocá-lo, tenha
relação com os tópicos inicias que começam o conto: a crise da orquestra e o
afastamento do narrador em relação ao Antenor. Desse modo, será que o Antenor
morreu? Que morte é essa?
Além disso,
pode-se afirmar que o conto, além desse uso das figuras e transposições de ações,
foca também no fato do narrador não aceitar a morte do seu amigo. Essa não
aceitação do narrador se percebe no fim da leitura, quando ele entende que o
Antenor era um objeto. A estátua cristalizada, portanto, poderia expressar essa
dificuldade e a dependência do narrador em ainda acreditar que seu amigo
estivesse vivo.
Essa
dependência pode ser vista em dois momentos. No primeiro, quando ele comenta que
a culpa é dele de não ter notícias de Antenor. Essa atitude mostra uma
relutância em relação à morte do seu amigo, sendo mais evidenciada quando ele
comenta que pensou poucas vezes no Antenor desde então:
Várias vezes fui visitá-lo no camarim
e o encontrava sempre estudando como se fosse aquela sua primeira apresentação.
Em minhas críticas no Diário, não me cansava de elogiar o talento que o jovem
aliava a um estudo muito sério. Não sei se me culpo a mim ou à vida que levo
pelo esquecimento, mas a verdade é que durante este tempo todo muito poucas
vezes pensei no meu amigo. (BRAFF, 2016, p.15)
E o segundo
momento, quando Antenor abre os olhos e percebe toda situação:
Fiquei com medo de que o Antenor
fosse desmaiar e olhei em volta, procurando alguma ideia de socorro. Com
estranha lentidão, ele voltou a segurar o violino entre o queixo e a clavícula,
erguendo o arco preso pela mão direita até quase a altura da cabeça. E então
parou. Seu rosto de alabastro não tinha mais vida, apesar de sua expressão de
sofrimento: os lábios apertados e imóveis, os olhos escondidos e duas rugas na
testa. Sua última reação parece ter sido o desejo frustrado de encolher-se, de
desaparecer. E então parou.(BRAFF, 2016, p.18)
As sensações
de Antenor são mobilizadas pelo próprio narrador de modo constante, ainda que
muitas vezes apenas se acredite que o narrador esteja informando uma notícia de
que Antenor teve uma morte repentina a que ninguém prestou atenção. Contudo,
quando se lê o final do conto, de acordo com as ideias de sequências e
sobreposições da estética impressionista, descobre-se que toda a cena
imaginativa e sensações são do próprio narrador.
É como se
fosse um jogo de omissões, onde o jogo entre personagem e narrador fosse a estratégia
para deter a leitura em uma superficialidade primeira, uma mentira. Essa
questão é o que colabora para a formação de um texto impressionista. Não há
como analisá-lo apenas pela forma que se aplica uma figura de linguagem ou a
construção de oração; o texto se constitui também pelo modo que o narrador
desenvolve a sua estratégia de focalização em todo texto, muitas vezes
enganando o leitor.
Essa última
análise está próxima ao que Sandanello comenta sobre a presença cognitiva em um
texto. A leitura do texto impressionista exige uma aproximação com a
focalização narrativa, pois as respostas não estão apenas em leituras primeiras
ou estruturas sintáticas, elas estão também em outras que constituem todo um
sentido, como no caso da percepção que narrador mobiliza. Além disso, a leitura
impressionista dispõe de uma interpretação em várias camadas textuais, uma vez
que dependendo do modo como é lida pelo leitor, pode ter várias possibilidades
de finais.
Por mais que
o texto aparente não ter um final muito arrojado, a construção estética do conto
apaga essa impressão devido às várias justaposições de descrições e sensações.
E, é justamente, na ação dos detalhes que se entende o foco da leitura. O conto
não é uma notícia de uma morte, mas sim a dependência psíquica que o narrador
tem com seu amigo. Por isso, o texto impressionista se diferencia bastante das
outras escolas, uma vez que a primeira leitura nunca é a definitiva e,
possivelmente, nem outras. Como afirma Martins, a observação é essencial para
que se entenda o pontilhismo que o texto impressionista cria. São as pequenas costuras
da narração, que ao princípio parecem não conter tanto detalhes, mas que integram
toda a proeza e estética do Impressionismo.
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