segunda-feira, 10 de fevereiro de 2020

CARTAS DO INTERIOR

Esta coluna reúne crônicas de Menalton Braff publicadas originalmente em seu site ou em revistas.

JARGÕES PROFISSIONAIS

Há muito não me via tanto tempo preso à frente da televisão vendo jogo de futebol. Imagino que haja uma boa razão para isso, mas que não preciso confessar aqui. Não me agrada muito ser “corneteado”. É assim que se diz?

A gente passa de um canal para outro e parece que não saiu do anterior. Os narradores futebolísticos devem ter feito o pacto da uniformidade. As questões de estilo, raras exceções, são periféricas: não afetam a estrutura da narração. Os poucos bordões existentes não fazem lá grande diferença. Mas o que mais me impressiona é o jargão. Interessantíssimo. Daria um dicionário de expressões futebolísticas, se é que alguém já não andou fazendo isso.

Não sei se você, meu leitor apaixonado pelo esporte dos ingleses, já observou: um locutor esportivo jamais diz que um jogador machucou-se. Se se pergunta a um jovem (e os jovens são as principais vítimas das precariedades linguísticas, justamente por serem jovens) o que significa “contundido”, ele, mesmo antes de piscar, já terá respondido que se trata de jogador de futebol machucado. Tal é a força do chavão, que dá um sentido específico à palavra. Ninguém mais se contunde: só jogador de futebol.  Outra expressão universalizada é “valorizar a posse da bola”. Um dia alguém de muito
prestígio no meio terá usado a expressão, que acabava de criar. Bastou. Hoje, não há mais narrador de futebol que, vendo a bola ficar naquele tico-tico irritante, esquerda, direita, esquerda, direita, sem sair disso, alega que os jogadores estão valorizando a posse da bola. Pode ser medo, covardia, falta de opção, criatividade embotada, pode ser qualquer coisa, eles vão sempre alegar que é certo tipo de valorização. E a expressão, que se iniciou como uma metáfora, meio pobre, vá lá, bem cedo transformou-se numa catacrese.  

E quando o comentarista (supostamente melhor conhecedor do futebol do que você e eu) afirma que o que está faltando é maior movimentação no ataque, quem tem ataque sou eu, que muito pouco entendo do assunto, mas que tenho um ataque de riso. Ora bolas.

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