segunda-feira, 17 de fevereiro de 2020

CARTAS DO INTERIOR

Esta coluna reúne crônicas de Menalton Braff.

Rastaquera


Existem umas situações tão difíceis de se entender que somos obrigados a desencavar palavras esquecidas para nos ajudar. Foi o que aconteceu ao meu amigo Adamastor. Para algum casual leitor urbano que me leia cabe uma explicação. O Adamastor é aquele gigante que o Luís de Camões apresentou ao mundo e é claro que para aqueles que já leram Os Lusíadas a explicação é desnecessária.

Meus caros destinatários, nós aqui do interior não podemos interferir em quase nada, mas estamos atentos a tudo. Pois bem, ontem recebi a visita do gigante que me trouxe no bolso a palavra rastaquera e já conto por quê.

Aconteceu que em um estado do nosso país varonil foi eleito um sujeito rastaquera, homem que, além de inculto, é tolo e não sabe que é. O dito cujo, que não teve a sorte de passar por uma escola minimamente equipada com cérebros saudáveis, esse sujeito decretou que em seu estado não se leria mais uma lista de quarenta e três livros, e o nome de alguns autores também foi censurado.

E o Adamastor, gigante atento a tudo que acontece neste país varonil, me trouxe a lista dos livros proibidos. Só como amostra citamos alguns autores: Caio Fernando A breu, Mário de Andrade, Ferreira Gullar, Carlos Heitor Cony, Aurélio Buarque de Holanda Ferreira, Rubem Fonseca, Nelson Rodrigues, e agora pasmem – Machado de Assis e Euclides da Cunha. Não vou continuar com a lista para não aborrecê-los mais. Do exterior, ainda uma citação: Kafka (que um colega dele chamou de Kafta).

Então uma pergunta pertinente: que tipo de povo esse beócio quer formar? Será que por nunca ter lido um livro na vida (e não acredito no contrário) ele pensa que a literatura que nos identifica como nação, que faz parte da nossa civilização, ele pensa que tudo isso é inútil?

Ah, não queria pisar na ferida de ninguém, mas a imagem das fogueiras hitleristas quase queimaram meus olhos. E qual era o combustível? – Livros, meus camaradas. Um tacanho, um tosco, querendo ditar seu próprio pensamentozinho a toda a população de seu estado. Sim, porque mandou recolher tais livros de todas as bibliotecas públicas de seu estado.

Achei por bem questionar as conclusões do Adamastor, sujeito muito malicioso das horas de folga. Mas ele, o tal tacanho, foi eleito em seu estado e ele me respondeu na bucha: Então podemos afirmar que o tacanho não é só o governante. Rastaquera é o povo que o elegeu.

Notícia de última hora: A reação à atitude do sujeito foi tão grande que ele teve de voltar atrás.

Claro, temos pela frente uma longa estrada para que o povo brasileiro atinja um grau melhor de civilização, mas se a gente se descuida, esses imbecis nos devolvem para a Idade Média com suas fogueiras queimando gente.

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