segunda-feira, 2 de março de 2020

CARTAS DO INTERIOR

Receita para uma crônica


Meu amigo Adamastor vocês já conhecem, é aquele gigante perpetuado por Luís Vaz de Camões, pois ele pediu cidadania brasileira e veio morar aqui no interior, de onde envio a vocês minhas cartas.

Estava terminando de tomar meu café quando ele tocou a campainha. Estava com uma expressão entre alegre e meditativa, aceitou um cafezinho e despachou o assunto que o trouxe até aqui tão cedo. Queria uma receita para produzir uma crônica. Enruguei a testa antes de perguntar-lhe se pretendia fazer concorrência comigo. Ele sorriu e disse que muitas vezes o discípulo ultrapassa o mestre, que isso é o progresso.

Pois bem, se quer uma receita aviso de antemão que o meu conhecimento da matéria é apenas empírico. Então comecei depois do meu aviso/defesa.

Se alguém começa a procurar um assunto sobre o qual escreva uma crônica, começou mal. Ela, a crônica, sai casmurra, espremida, sem a menor graça, e graça aqui em sentido amplo, que tanto pode ser engraçada, com humor, como pode ser no sentido de gracioso, elegante. Forçar um assunto é cometer uma temeridade, pois o assunto pode não ser algum condimento do espírito. Eu, por exemplo (e não disse lá em cima que era conhecimento empírico?), não gosto de falar de política, não por não ter atração pelo assunto, mas porque escrevo sem saber quem vai encontrar minha garrafa no oceano. Nas poucas vezes em que abordei mesmo que tangencialmente tal assunto, sinto que não me dei bem, tais crônicas me saem azedas, tão azedas como é geralmente o ambiente político brasileiro. Um cronista jamais deve entortar a cabeça procurando algo sobre o qual escrever.

A crônica, por sua natureza leve, talvez agradável, ela é que de repente arromba o pensamento do cronista e diz com veemência que precisa ser escrita. A crônica se impõe ao cronista. Então sairá com graça (nos dois sentidos acima), linguagem leve, às vezes coloquial, algumas pitadas de ironia, sem esquecer que a poesia é essencial em uma crônica surgida do nada, caída quem sabe das nuvens. No plano da expressão, um bom aprendizado é ler crônica, boas crônicas. Nosso grande mestre foi o Bruxo do Cosme Velho e é daí que qualquer aprendiz de cronista deve começar suas leituras. Mas
existiram e existem ainda grandes cronistas, merecedores da classificação. Carlos Drummond de Andrade, Cecília Meireles, Rubem Braga, Paulo Mendes Campos, e alguns mais que poderia citar, mas me tornaria cansativo.

Ah, sim, uma crônica jamais deve ser cansativa. E se você, meu caro leitor, já está cansado, isso significa que falhei como cronista.

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