sábado, 28 de março de 2020

CRÍTICA LITERÁRIA

Esta coluna reúne críticas literárias de Wagner Coriolano de Abreu, publicados originalmente no livro SEMPRE AOS PARES, lançado pela Carta Editora.


O DESAPARECIMENTO DE TEODORA

(Wagner Coriolano)

A peça As núpcias de Teodora representa o teatro da maturidade de Ivo Bender, juntamente com Colheita de cinzas e A ronda do lobo, as três peças que fundam a Trilogia perversa. Arguto escritor de arte dramática nesta cultura no sul do mundo, o dramaturgo cruza o imaginário da colônia alemã, no século 19, com o universo dos antigos mitos gregos. “Fui professor de Teatro Grego, na Universidade Federal, por muito tempo. Nas aulas, além dos textos, eu trabalhava com mitologia. Resolvi aproveitar esses mitos e fazer uma transposição, fazer as personagens míticas serem imigrantes alemães”.

A personagem Teodora aparece na primeira cena da peça, em diálogo com sua mãe Cordélia. Após perder o sono, informa que teve um pesadelo, onde vê o pai com muito sangue na cabeça. Na última cena do primeiro ato, na mesma sala da casa, reaparece, lê um trecho da carta que um mensageiro trouxera, e declara que “não queria casar assim, tão de repente”. Nas cenas do segundo e último ato, Teodora é constantemente mencionada, sobretudo como filha de Hagemann, como nossa filha (o pai), como minha filha (a mãe), em relação ao noivo (o caminho de Teodora e Antônio) e na expressão “leva as mãos de Teodora para a face” (a mãe).


Teodora, que ao final desaparece, descobre a sentença de morte proferida por Jacobina Maurer e tenta a fuga. Recapturada, ainda uma vez, apela à mãe que permaneça com ela, pois precisa de coragem. Entretanto, de nada adianta o apelo de Cordélia em face da ordem fatal da líder dos Muckers, ensandecida contra a iminente descrença de seu principal chefe. Sem a filha, tempos depois, recebe em casa outro mensageiro com notícias do marido, sobrevivente do embate entre os colonos da montanha e as forças do governo e com uma ferida na cabeça. O mensageiro segue seu caminho e ela fecha a última cena: “Eu te espero, Cristóvão Hagemann. Cedo ou tarde retornarás. E nesse dia não escaparás do meu olhar. Nem da minha mão”.

A jovem instaura o lado bom do humano. Teodora, neologismo, de Teo, Deus, com dora, presente. Desta junção de elementos gregos, vem o possível sentido de “dádiva de Deus”. O ataque contra Teodora confirma, pela segunda vez, a tendência cruel do ato de Jacobina. A falsa demente antes não respeitara a integridade do texto bíblico, a fim de melhor persuadir o traidor. No episódio do sacrifício de Abraão, no livro de Gênesis, o anjo diz “Não estenda a mão contra o menino! Não lhe faça nenhum mal!”. Ordens de Deus. Ao imolar Teodora, a líder instaura a vingança, enlaça pelo sangue aquele que esteve a seu lado, e, como outros colonos, percebeu a causa perdida. Ordens de Jacobina.

A noção de tragédia, em Ivo Bender, conserva um sentido mais amplo, sob o ponto de vista do conflito de valores no seio da família Hagemann. Se o pai entrega a filha, a mãe não a abandona. Cordélia, assim, nos recorda a invenção poética de Manuel Bandeira, no poema Neologismo, de 1947: Teadoro, Teodora.



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