Esta coluna reúne críticas literárias de Wagner Coriolano de Abreu, publicados originalmente no livro SEMPRE AOS PARES, lançado pela Carta Editora.
(Wagner Coriolano)
O DESAPARECIMENTO DE TEODORA
(Wagner Coriolano)
A peça As núpcias de Teodora representa o teatro da
maturidade de Ivo Bender, juntamente com Colheita de cinzas e A
ronda do lobo, as três peças que fundam a Trilogia perversa. Arguto
escritor de arte dramática nesta cultura no sul do mundo, o dramaturgo
cruza o imaginário da colônia alemã, no século 19, com o universo
dos antigos mitos gregos. “Fui professor de Teatro Grego, na
Universidade Federal, por muito tempo. Nas aulas, além dos textos, eu
trabalhava com mitologia. Resolvi aproveitar esses mitos e fazer uma
transposição, fazer as personagens míticas serem imigrantes alemães”.
A personagem Teodora aparece na primeira cena da peça, em diálogo com sua mãe Cordélia. Após perder o sono, informa
que teve um pesadelo, onde vê o pai com muito sangue na cabeça. Na
última cena do primeiro ato, na mesma sala da casa, reaparece, lê
um trecho da carta que um mensageiro trouxera, e declara que “não
queria casar assim, tão de repente”. Nas cenas do segundo e último
ato, Teodora é constantemente mencionada, sobretudo como filha de Hagemann, como nossa filha (o pai), como minha filha (a
mãe), em relação ao noivo (o caminho de Teodora e Antônio) e na
expressão “leva as mãos de Teodora para a face” (a mãe).
Teodora, que ao final desaparece, descobre a sentença de morte proferida por Jacobina Maurer e tenta a fuga.
Recapturada, ainda uma vez, apela à mãe que permaneça com ela, pois
precisa de coragem. Entretanto, de nada adianta o apelo de Cordélia
em face da ordem fatal da líder dos Muckers, ensandecida contra
a iminente descrença de seu principal chefe. Sem a filha,
tempos depois, recebe em casa outro mensageiro com notícias do
marido, sobrevivente do embate entre os colonos da montanha e as
forças do governo e com uma ferida na cabeça. O mensageiro segue seu
caminho e ela fecha a última cena: “Eu te espero, Cristóvão
Hagemann. Cedo ou tarde retornarás. E nesse dia não escaparás do meu
olhar. Nem da minha mão”.
A jovem instaura o lado bom do humano. Teodora, neologismo, de Teo, Deus, com dora, presente. Desta junção de elementos
gregos, vem o possível sentido de “dádiva de Deus”. O ataque contra
Teodora confirma, pela segunda vez, a tendência cruel do ato de
Jacobina. A falsa demente antes não respeitara a integridade do texto
bíblico, a fim de melhor persuadir o traidor. No episódio do sacrifício
de Abraão, no livro de Gênesis, o anjo diz “Não estenda a mão contra o
menino! Não lhe faça nenhum mal!”. Ordens de Deus. Ao imolar
Teodora, a líder instaura a vingança, enlaça pelo sangue aquele que
esteve a seu lado, e, como outros colonos, percebeu a causa perdida.
Ordens de Jacobina.
A noção de tragédia, em Ivo Bender, conserva um sentido mais amplo, sob o ponto de vista do conflito de valores no seio
da família Hagemann. Se o pai entrega a filha, a mãe não a abandona.
Cordélia, assim, nos recorda a invenção poética de Manuel Bandeira, no
poema Neologismo, de 1947: Teadoro, Teodora.
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