Esta coluna reúne crônicas de Menalton Braff. A que publicamos hoje é inédita.
Bom cavalo
Àquela hora da manhã, quando toca a campainha, já podia adivinhar quem chegava, e não tive surpresa, foi o Adamastor, um gigante camoniano, que veio me visitar. Fomos até a cozinha, onde fazia meu desjejum, e só então me dirigi ao gigante: “Chegou em boa hora” (os mistérios da língua, no tempo do Gil Vicente “em boa hora” virou “embora”, que, entre nós, é sair e não chegar, um bom assunto para que algum filólogo versado em história da língua me explique) e sorrindo, enquanto puxava uma cadeira para a beira da mesa, respondeu como um camponês do Sul do Brasil: “Meu cavalo é que é bom” e serviu-se de café e pão, que fazem parte de meu café da manhã.
Então afirmou que não foi para o café que tinha vindo, e me relatou suas últimas novidades.
Em um encontro casual com Quasímodo e comentando a situação da política no Brasil, resolveram lançar um manifesto informando que tomariam banho de tubaína antes de chegar perto da cloroquina, porque a tubaína, pelo menos, não mata.
O gigante estava com um semblante tristonho e acabou me explicando que jamais imaginara alguém que, num dia em que 1.179 brasileiros tinham sido levados a óbito, como é moda dizer agora, que alguém, por cruel ou ignorante no maior grau poderia rir da própria piada de humor negro. Pois é, mas aconteceu. E por volta de 30% dos brasileiros atingiram o orgasmo cerebral e formaram um imenso coro de riso.
Na discussão que se deu entre Adamastor e Quasímodo sobre o fato, foi este último quem alertou: louco não, mas deformado por uma crueldade homérica, sem limites, porque louco merece internação num manicômio, enquanto facínora, culpado por milhares de mortes, merece uma jaula apertadinha no zoológico ao lado do tigre.
Quanto a seus 30% de asseclas, bastaria uma imensa cerca eletrificada para que não saíssem por aí a contaminar as pessoas. O Brasil vai mal e tende a se transformar em mera província d’além mar de alguma potência que todos sabemos qual é, pois sua bandeira já circula e pede reverência entre os sequazes do humorista mor.
Sobre bandeiras e bandeiradas vamos falar mais tarde, porque este espaço aqui foi destinado a comentar o humor negro do dia, humor tristemente falhado dadas as circunstâncias em que foi lavrado.
Dadas as informações que o trouxeram até aqui, e satisfeito com o desjejum, o Adamastor me perguntou se eu apoiava seu manifesto e ante minha resposta favorável, levantou-se e se despediu.
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