Esta coluna reúne críticas literárias de Wagner Coriolano de Abreu, publicados originalmente no livro SEMPRE AOS PARES, lançado pela Carta Editora.
Ao inscrever estes instantes na obra ficcional, o contista faz lembrar as palavras de Cecília Meireles, “canto porque o instante existe”, bem como se aproxima do pensamento que entende a vida como um instante imenso, no constante retorno do mesmo. Separo quatro instantes em primeira pessoa, após a leitura dos demais contos narrados em terceira pessoa, a fim de pôr em relevo a voz de menino narrador que vê o mundo com curiosidade.
OS INSTANTES DE ERNANI MÜGGE
(Wagner Coriolano)
(Wagner Coriolano)
Há muitos anos Ernani Mügge mora em Dois Irmãos, cidade fortemente marcada pela cultura alemã, e ali exerce seu
magistério, participando de uma política de incentivo à leitura e
escrita, no município e arredores. A experiência com a palavra, todavia, é
anterior a esta prática, no mínimo recuando aos tempos de formação
secundária e aos dias do curso de Letras Português – Alemão.
Ainda nos anos 1990, cursa uma especialização em lingüística do texto, e na virada do milênio estreia com o livro de
contos Percalços, editado em 2000, cuja temática explora a ambivalência
do termo percalço, passando da compreensão de um incômodo inerente para a acepção de um benefício que se obtém por meio de
alguma atividade. No conto O segredo, por exemplo, a personagem
Pedro abandona uma intenção ruim após descobrir que está sendo
observado por uma mulher e, em seguida, por outros passageiros do
ônibus.
Em 2004, após o mestrado em teoria da literatura, Ernani
Mügge retorna à cena literária com catorze contos, enfeixados sob
o título Instantes, publicado pela Oikos Editora. A capa do livro
revela uma escolha de imagens que correspondem apenas a cinco contos,
entre os quais, O concerto e O Aerowillis novo. O ilustrador Marco
Liesenfeld, desse modo, sugere uma estratégia de leitura do livro: o
desenho e o ato de selecionar.
Ao inscrever estes instantes na obra ficcional, o contista faz lembrar as palavras de Cecília Meireles, “canto porque o instante existe”, bem como se aproxima do pensamento que entende a vida como um instante imenso, no constante retorno do mesmo. Separo quatro instantes em primeira pessoa, após a leitura dos demais contos narrados em terceira pessoa, a fim de pôr em relevo a voz de menino narrador que vê o mundo com curiosidade.
Em O passeio, o narrador menino conta o esquisito passeio que faz a um velório. As marcas do “proibido” são muito
frágeis, transparecem na linguagem e na incerteza das regras. O
menino tem
uma irmã, chamada Margarete, a quem explica coisas. “Minha
irmã também não sabia que as velas acesas eram para iluminar a
alma do morto. Que tonta! Por cima ainda perguntou o que era alma.
Eu disse que sabia só que não achava as palavras para explicar certo.
/ – Tu também é um burro! – irritou-se”.
O narrador menino de A hora certa de dizer as coisas a um
filho nos apresenta o dia em que os pais socorreram a vizinha,
cujo sogro se enforcou. Demoraram na casa dos Herzel, mas o menino sabe
que ordem do pai era para cumprir. Sem saber como os pais
decidiram contar-lhe o ocorrido, ele conjectura sobre o complicado de
saber a hora certa.
Em Sabedoria, o menino narra a vez que seguiu o avô para observá-lo na pescaria. Queria saber como adivinhava o dia
certo do peixe cair no anzol. Constata, finalmente, que o avô sabia o
que
estava fazendo. E, por último, em O concerto, o menino conta
da aproximação com o casal de músicos tão diferentes dele.
Aproximase devagarzinho, ouvindo os ensaios de longe, até que um dia
o músico os convidou, a ele e a seus amigos, a entrarem na casa e
assistir a uma apresentação.
Os instantes de Ernani Mügge entretecem o cotidiano, ora
dando voz aos protagonistas, ora por meio de um olhar de fora.
Nos quatro contos, predomina o questionamento da norma, o menino não aceita simplesmente o certo. Em alguns contos em
terceira pessoa aparece a criança que se cala frente à determinação
adulta, como em O lugar proibido e Decepção.
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