quinta-feira, 7 de maio de 2020

CRÍTICA LITERÁRIA

Esta coluna reúne críticas literárias de Wagner Coriolano de Abreu, publicados originalmente no livro SEMPRE AOS PARES, lançado pela Carta Editora.


OS INSTANTES DE ERNANI MÜGGE

(Wagner Coriolano)

Há muitos anos Ernani Mügge mora em Dois Irmãos, cidade fortemente marcada pela cultura alemã, e ali exerce seu magistério, participando de uma política de incentivo à leitura e escrita, no município e arredores. A experiência com a palavra, todavia, é anterior a esta prática, no mínimo recuando aos tempos de formação secundária e aos dias do curso de Letras Português – Alemão.

Ainda nos anos 1990, cursa uma especialização em lingüística do texto, e na virada do milênio estreia com o livro de contos Percalços, editado em 2000, cuja temática explora a ambivalência do termo percalço, passando da compreensão de um incômodo inerente para a acepção de um benefício que se obtém por meio de alguma atividade. No conto O segredo, por exemplo, a personagem Pedro abandona uma intenção ruim após descobrir que está sendo observado por uma mulher e, em seguida, por outros passageiros do ônibus.

Em 2004, após o mestrado em teoria da literatura, Ernani Mügge retorna à cena literária com catorze contos, enfeixados sob o título Instantes, publicado pela Oikos Editora. A capa do livro revela uma escolha de imagens que correspondem apenas a cinco contos, entre os quais, O concerto e O Aerowillis novo. O ilustrador Marco Liesenfeld, desse modo, sugere uma estratégia de leitura do livro: o desenho e o ato de selecionar.

Ao inscrever estes instantes na obra ficcional, o contista faz lembrar as palavras de Cecília Meireles, “canto porque o instante existe”, bem como se aproxima do pensamento que entende a vida como um instante imenso, no constante retorno do mesmo. Separo quatro instantes em primeira pessoa, após a leitura dos demais contos narrados em terceira pessoa, a fim de pôr em relevo a voz de menino narrador que vê o mundo com curiosidade.

Em O passeio, o narrador menino conta o esquisito passeio que faz a um velório. As marcas do “proibido” são muito frágeis, transparecem na linguagem e na incerteza das regras. O menino tem
uma irmã, chamada Margarete, a quem explica coisas. “Minha irmã também não sabia que as velas acesas eram para iluminar a alma do morto. Que tonta! Por cima ainda perguntou o que era alma. Eu disse que sabia só que não achava as palavras para explicar certo. / – Tu também é um burro! – irritou-se”.

O narrador menino de A hora certa de dizer as coisas a um filho nos apresenta o dia em que os pais socorreram a vizinha, cujo sogro se enforcou. Demoraram na casa dos Herzel, mas o menino sabe que ordem do pai era para cumprir. Sem saber como os pais decidiram contar-lhe o ocorrido, ele conjectura sobre o complicado de saber a hora certa.

Em Sabedoria, o menino narra a vez que seguiu o avô para  observá-lo na pescaria. Queria saber como adivinhava o dia certo do peixe cair no anzol. Constata, finalmente, que o avô sabia o que
estava fazendo. E, por último, em O concerto, o menino conta da aproximação com o casal de músicos tão diferentes dele. Aproximase devagarzinho, ouvindo os ensaios de longe, até que um dia o músico os convidou, a ele e a seus amigos, a entrarem na casa e assistir a uma apresentação.

Os instantes de Ernani Mügge entretecem o cotidiano, ora dando voz aos protagonistas, ora por meio de um olhar de fora. Nos quatro contos, predomina o questionamento da norma, o menino não aceita simplesmente o certo. Em alguns contos em terceira pessoa aparece a criança que se cala frente à determinação adulta, como em O lugar proibido e Decepção.

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