segunda-feira, 15 de junho de 2020

CARTAS DO INTERIOR

Esta coluna reúne crônicas de Menalton Braff. A que postamos a seguir é inédita.

Desespero moderno


Nunca entendi muito bem o conceito de consumismo, e o Adamastor, aquele gigante camoniano, que também tinha lá suas dúvidas, volta e meia aparecia aqui em casa pedindo explicação, querendo saber, curioso como ele é, porque todos nós consumimos, ele afirmava, temeroso de que o consumo fosse ilegalizado, bem assim ele dizia. E eu, que também navegava em suas águas geladas, não conseguia satisfazer a carência
intelectual do meu amigo.

Pois não é que hoje o Adamastor me tirou da cama, e por sorte minha mulher já estava com o café pronto, eu ia dizer no bule e a tempo me lembrei de que bule não se usa mais, e a lembrança me deixou nostálgico, aqueles bules esmaltados, com ramo de flores bem coloridas nos dois lados e na tampa, e apesar de utilidade, o bule era também
um objeto estético, bem o que interessa é que a garrafa térmica já estava cheia e pedi que ele me esperasse na biblioteca enquanto me dedicava às abluções matinais.

Quando entrei na biblioteca, meu amigo pulou da cadeira e declarou com certa solenidade, Descobri, e ergueu os dois braços para dar maior importância à sua descoberta. Mas ele não me surpreendeu, porque naquela noite, depois de ter assistido ao noticiário, com suas cenas significativas, eu também havia descoberto.

O consumo, e declamamos isso em forma de duo, ambos querendo demonstrar que havíamos descoberto sem ajuda de ninguém, o consumo é uma necessidade humana. Gordura, carboidratos, açúcares, proteínas, vitaminas e segue uma lista grande, são elementos que precisamos consumir. Como roupa também, a não ser que queiramos escandalizar a sociedade com nossa nudez. Consumimos roupas, e a lista daquilo que necessitamos para sobreviver segue imensa. Em resumo, não se pode criminalizar o consumo.

Mas ontem à noite o que vimos não foi a satisfação de necessidades. Em plena pandemia, bastou que as autoridades liberassem os shopping centers, para que se formassem imensas filas, em seguida desmanchadas, tornando-se aglomeração, ajuntamento de pessoas, que empurradas pelo vulcão do consumismo invadiram o shopping. E o que compravam? Escolhiam entre um CD, uma camisa nova, algum tipo de perfume, um sorvete de casquinha, um par de tênis, uma flâmula do seu time.

Víamos pessoas entrando, e cada vez mais, entupindo corredores, cobrindo vitrines, ansiosas, o rosto deformado pelo desejo, uma agitação no exterior expressando o que lhes ia no interior. Sentiam-se sufocadas em casa, condenadas a conviver algumas horas no lar, doce lar.

E simultaneamente, o Adamastor e eu, chegamos a uma conclusão comum: o consumista não vai às compras para satisfazer a necessidade de algum bem, senão a necessidade de comprar, só comprar, seja lá o que for, mas comprar.


O consumismo, declarou finalmente o gigante, é uma doença incurável. 

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