segunda-feira, 21 de setembro de 2020

CARTAS DO INTERIOR

 Esta coluna reúne crônicas de Menalton Braff. A de hoje é inédita.


Ideologia

Fui professor de língua e literatura do Brasil e de Portugal, praticamente a vida inteira. Mas se essa declaração não bastar, informo que não sou sociólogo tampouco filósofo. O que não significa, entretanto, deixar de sofrer calafrios dolorosos quando o uso da língua demonstra um viés deformativo de seu usuários. Sei que vão me acusar pelo emprego de adjetivo não registrado pelos dicionaristas. Não faz mal, mesmo isso serve aos propósitos deste texto.

Ocorre que, mesmo não sendo da minha área específica de estudo, andei folheando alguns autores como Max Weber, Karl Mannhein e outros menos votados, e dessas leituras extraí o que penso da palavra ideologia. Alguns políticos, por ignorância ou por malícia, empregam o termo com sentido de pensamento dos opositores.

São várias as definições de ideologia, nenhuma delas dá cobertura ao sentido empregado por esses políticos. Para diversos sociólogos, trata-se de um conjunto sistemático de ideias dominantes em uma comunidade humana. Para Mannhein, entre outras ideias, a ideologia é o oposto da utopia. Ou seja, ainda com base nesse autor, a ideologia é o conjunto de ideias conservadoras enquanto a utopia é o sonho que move a sociedade para frente. Por exemplo, no século XIX, aviação era uma utopia.

Em resumo, não há quem não esteja sempre mergulhado em alguma ideologia, não podendo, portanto, acusar quem quer que seja de defender uma ideologia. Todos nós, consciente ou inconscientemente, defendemos ou aceitamos uma ideologia.

No conceito marxista vamos encontrar algumas diferenças do que afirmam esses outros autores. Para Marx, ideologia é a falsa consciência, isto é, a ideia de que o que é bom para mim é bom para todos. Para ele, a ideologia é sempre a convicção de que eu estou certo e o resto do mundo pratica em erro. E afirma: a ideologia dominante é sempre da classe dominante.

Outros autores, e entre eles alguns marxistas, como Terry Eagleton, na atualidade vão alargando o conceito da ideologia aproximando-se da ideia de que se trata de um corpo de ideias de determinado grupo econômico ou social. Ora, todos os grupos têm suas crenças, e usar o termo atribuído a apenas políticos de esquerda é no mínimo estupidez. Quem afirma isso, na verdade, está defendendo sua própria ideologia. 

Portanto, acho que no Brasil se comete essa barbaridade semântica de acusar o opositor de estar obedecendo a uma ideologia. Claro que está, mas o acusador só faz a acusação com base em sua ideologia. Aceitando o conceito de Mannhein, a esquerda não defende uma ideologia, pelo contrário ela luta por uma utopia. 

Nenhum comentário:

Postar um comentário

http://twitter.com/Menalton_Braff
http://menalton.com.br
http://www.facebook.com/menalton.braff
http://www.facebook.com/menalton.braff.escritor
http://www.facebook.com/menalton.para.crianças