quinta-feira, 24 de setembro de 2020

ORELHA

  Esta coluna reúne apresentações de livros escritas por Menalton Braff.


Violência com ternura

Acabo de ser apresentado ao livro inaugural de Igor Galante, Violências, e esse é um conhecimento com muito prazer. Ele se lança em livro com a experiência de quem faz da língua instrumento de trabalho, mas tomando o cuidado de não usar nos contos a linguagem característica do jornalista. O Igor faz arte literária e começa com um belo arsenal de recursos artísticos.

No conto O velho e o menino, cria-se, desde o início, um clima de mistério, que passa por não dar nome às duas personagens, o velho e o menino, pois na realidade mais importam as relações entre os dois do que eles mesmos. Vale-se o autor, para a criação da atmosfera que interessa, de um vocabulário que, lido verticalmente, reforça a idéia de decadência. É assim que, nos dois primeiros parágrafos, encontramos sepulcro, lençol amarelecido, ossos, peito magro, pelancas, podre, áspero, gasto.

Os mestres do gênero, como Edgard Allan Poe, recomendam buscar-se desde o início o efeito único, no conto, e trabalhar o texto todo tendo em vista esse efeito desejado. É o que faz Igor Galante, e o faz com competência.

Algumas combinações e invenções dão à sua linguagem certo sabor agreste que desautomatizam a leitura, como são casos exemplares o velho não malandra, respira pequeno, boca imperfeita de dentes, e tantos outros que podem ser encontrados.

Quando se afirma quase que axiomaticamente que “um conto é seu discurso”, isto quer dizer que um texto literário é irredutível e que paráfrase alguma pode substituí-lo.

É o que se encontra em todos os contos deste livro. Existe equilíbrio entre o tecido da linguagem, sua orquestração (o plano da forma) e as idéias expostas, o desenvolvimento do tema (o plano do conteúdo).

Outro recurso empregado com freqüência é a interlocução. No conto Duas amigas, encontram-se alguns exemplos, como “e ai de você se as julgar.” É um modo de arrastar o leitor para dentro do texto, tornando-o cúmplice de uma história. Esse mesmo conto exemplifica uma das tendências da literatura contemporânea, o brutalismo, presente em Violências. Mas o brutalismo de Igor Galante vem envolto em um lirismo de medida exata, sem exageros nem pieguice, o que o autor consegue com sua linguagem que, mesmo quando coloquial e solta, é uma linguagem esmerada de quem conhece seu ofício.

No conto Castilho, encontramos, de roupa nova, o tema da morte x eternidade. Mas sem o ranço do filosofismo fácil, o que valoriza o livro. A incorporação da linguagem informática, como diretório, arquivos, dão o sabor da modernidade.

Brutalidade, ato falho (como no conto O Reencontro), mistério, são alguns dos ingredientes com que Igor Galante coze suas histórias, que ele nos serve em uma linguagem ágil e agradável. É um autor que domina sua ferramenta, e entra no mundo das letras pela porta da frente.

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