segunda-feira, 5 de outubro de 2020

CARTAS DO INTERIOR

Esta coluna reúne crônicas de Menalton Braff . A de hoje é inédita.

Pois é

Uma alta autoridade da república, a nossa, me mandou que comesse macarrão. Mesmo não sendo de origem italiana, acho que o macarrão pode ser comido até fora dos domínios dos domingos no almoço familiar.

Mas o modo como tal autoridade ordenou, para esconder as causas da alta estratosférica do arroz, me lembrou de uma história antiga, que vocês, os que já passaram dos cinquenta já conhecem, porém, abaixo de vocês, dos dezoito aos quarenta e oito provavelmente nunca tenham ouvido. Me disponho a contá-la.

Num estado brasileiro, e não estou fazendo política partidária, razão pela qual não revelo de que estado se trata, a situação não estava boa. Muita reclamação nas filas, sindicatos ameaçando melar a situação, a mídia alvoroçada sem saber o que dizer como sói acontecer geralmente com medo de perder os polpudos contratos governamentais, em resumo, com a situação com cara de temporal, o Governador, não vou dizer quem foi, chamou dois de seus principais conselheiros e lhes encomendou: um para o sul e o outro para o norte. Que viajassem e auscultassem o povo para sentir o que estava faltando, pois o Governador tinha em vista uma eleição para o Senado.

Os conselheiros, depois de alguns meses de viagem, voltaram à sede do governo.

O Governador chamou o conselheiro que viajara para o sul e quis saber. 

─ Então, conselheiro, o que o senhor me diz da situação?

O conselheiro, meio encolhido, músculos tensionados esperando as porradas do Governador.

─ O senhor que conhecer a verdade, nada mais que a verdade?

─ Claro, seu idiota. Não fosse assim não teria te mandado viajar pelo estado, porque a mídia, o que diz, é só para puxar o saco.

─ Pois bem, senhor Governador, em toda a região que visitei, o povo está comendo merda.

Inconformado, e pode-se até dizer que revoltado com a resposta do conselheiro que viajara para o sul, o Governador mandou que entrasse o outro conselheiro, aquele que tinha viajado para o norte.

Mais nervoso ainda que seu antecessor, entrou com a cabeça baixa e as mãos escondidas nas costas.

─ Bem, conselheiro, então o que me conta do que viu em sua região?

─ Sinto muito, senhor Governador ─ sua voz tremia, seu corpo todo tremia e o coitado estava próximo de um desmaio ─ na região que me coube visitar e observar, o senhor pode crer, a merda já está ficando escassa no mercado.

E quando faltar o macarrão, o que aquele senhor vai mandar-nos comer?

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