sexta-feira, 23 de outubro de 2020

CONTOS CORRENTES

Rascunho para a Carochinha

(Luiz Duboc)

Jovem bronco, ignorante, habitante de uma terra fora do mapa que ele
nunca fez caso do que fosse fronteira de sua terra. Mas o por do sol do dia bem longe, ele alucinava que essa aldeia onde vive se estendia, se prolongava até onde o sol se punha. Numa manhã chuvosa, a água do riacho perto da cabana subiu, o riacho passou a correr com mais velocidade a água. Para de chover e lá aparece o sol. 

Segue o riacho que vira um pequeno rio. Segue o rio pequeno que dá num grande rio. Segue o grande rio. Novamente o sol cai no horizonte. Resolve ir atrás do horizonte. Anda e anda. Caça a fome. Vem a noite, na fogueira só pensa no amanhecer para seguir até onde cai o sol. Anda e dá de cara com o mar.

Se espanta que descobrira o fim do mundo. E o desafio: novamente o sol cai no horizonte. De olho no sol constroi um barco. As correntes lhe ensinam a navegar rumando o horizonte. Acaba descobrindo terras povoadas, cidades, umas pequenas e outras grandes, povoadas com todo tipo de gente. Segue atrás do horizonte. Até que volta à praia de onde partira, já homem feito, onde começou a viagem, alucinado, agora, porque descobriu que a Terra é redonda.

Junta a aldeia. Todos espantados que ele sumiu e voltou homem feito, cabelos e barba imensos. Conta, então, para todos que o fim do mundo não existe, e além de não existir o mundo começa e acaba na aldeia porque a Terra é redonda. Fala do riacho ter virado rio e vai dar no mar, “Que é mar?”, todos perguntam. Fala das outras terras onde cada uma fala diferente da outra. Conta toda sua viagem atrás do sol no horizonte que acabou onde ele começou.

Ninguém crê. Torna-se o ‘louco da aldeia’, nem falam mais com ele. Às vezes, de noite, em volta da fogueira, as crianças se juntam e lhe pedem para contar a história que não existe fim do mundo. Riem com ele dizendo que o fim do mundo é logo depois do horizonte. E que o horizonte vem dar na aldeia. Os parentes todas as noites vêm buscar suas crianças.

As crianças tentam resistir mas são arrastadas. Seus parentes gritando, “Vocês querem ficar loucas também?” Ele espera a primeira chuva forte passar. Na manhã seguinte, desta vez, ao ver o sol nascer bem longe num horizonte oposto onde o sol morre bem longe. E vai de novo atrás do sol no horizonte onde morre o sol.

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