terça-feira, 10 de janeiro de 2012

GRANDE SERTÃO: VEREDAS (6)

Riobaldo Tatarana, jagunço narrador inventado por Guimarães Rosa, resgata personagens de nossa vida social mais antiga, a daqueles que, ao pé da fogueira ou do fogão, contavam suas histórias: os narradores orais.
Riobaldo, apesar das poucas letras, é um narrador consciente de sua arte. Extraímos alguns exemplos metalinguísticos para exemplificar.
Pág. 70 "Mas, para que contar ao senhor, no tinte, o mais que se mereceu? Basta o vulto ligeiro de tudo." (Panorama ou Resumo narrativo)
Pág. 94 "Pois porém, ao fim retomo, emendo o que vinha contando." (Narrativa alinear)
Pág. 101 "Sabe o que o moço me disse? Que era assunto de valor, para se compor uma estória em livro. Mas que precisava de um final sustante, caprichado. O final, que daí ele imaginou, foi um: que, um dia, o Faustino pegava também a ter medo, queria revogar o ajuste! Devolvia o dinheiro. Mas o Davidão não aceitava, não queria, por forma nenhuma. Do discutir, ferveram nisso, ferravam numa luta corporal. A fino, o Faustino se provia na faca, investia, os dois rolavam no chão, embolados. Mas, no confuso, por sua própria mão dele, a faca cravava no coração do Faustino, que falecia...
Apreciei demais essa continuação inventada. A quanta coisa limpa verdadeira uma pessoa de alta instrução não concebe! Aí podem encher este mundo de outros movimentos, sem os "Erros e volteios da vida em sua lerdeza de sarrafaçar. A vida disfarça?" (Ficcionalidade)
Pág. 200 "Ah, mas falo falso. O senhor sente? Desmente? Eu desminto. Contar é muito, muito dificultoso. Não pelos anos que se passaram. Mas pela astúcia que têm certas coisas passadas - de fazer balancê, de se remexerem dos lugares. O que eu falei foi exato? Foi. Mas teria sido? Agora acho que nem não." (Narrativa impressionista)
Pág. 207 "O senhor espere o meu contado. Não convém a gente levantar o escândalo de começo, só aos pooucos é que o escuro é claro." (Ritmo da narrativa)
Pág. 214 "Essas coisas todas se passaram tempos depois. Talhei de avanço, em minha história. O senhor tolere minhas más devassas no contar. É ignorância. Eu não converso com ninguém de fora, quase. Não sei contar direito. Aprendi um pouco foi com o compadre meuQuelemém; mas ele quer saber tudo diverso: quer não é o caso inteirado em si, mas a sobre-coisa, a outra-coisa. Agora, neste dia nosso, com o senhor mesmo - me escutando com devoção assim - é que aos poucos vou indo aprendendo a contar corrigido. E para o dito volto. Como eu estava, como o senhor, no meio dos hermógenes." (Digressão metalinguística)
Interessante o comentário a respeito do compadre Quelemém, a quem não satisfazem as narrativas de ação, a sucessão de fatos, mas seu sentido, tendência da literatura que encerra o Romantismo.

3 comentários:

  1. Gosto muito das cartas que Guimarães trocava com os tradutores de suas obras, principalmente, as de Edoardo Bizarri, que traduziu Corpo de Baile para o italiano. Ali Guimarães desvenda muito de seu trabalho, os jogos, as brincadeiras, o amor com as palavras. Sobre GS:V, gosto muito da discussão, embora infrutífera, em que se tenta enquadrar a obra como épica ou lírica. Me lembro também dos estudos sobre a estrutura, que remonta às novelas de cavalaria...Tudo tão belo quando visto em conjunto, as várias leituras. Uma obra como essa não admite molduras.
    Abraços,
    Tania Cosci.

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  2. Tania, novelas de cavalaria, Barroco, Dom Quixote, que mais, realmente nada disso dá conta da riqueza do GS:V. Concordo plenamente com você. Ele não cabe em definição. Até 29 de janeiro?

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  3. Querido Menalton, estou adorando seus comentários do GSV. Fico na espera!!!! Abração!

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