Texto II
Entre os muitos méritos dos nossos livros nem sempre figura o da pureza da linguagem. Não é raro ver intercalados em bom estilo os solecismos da linguagem comum, defeito grave, a que se junta o da excessiva influência da língua francesa. Este ponto é objeto de divergência entre os nossos escritores. Divergência digo, porque, se alguns caem naqueles defeitos por ignorância ou preguiça, outros há que os adotam por princípio, ou antes por uma exageração de princípio.
Não há dúvida que as línguas se aumentam e alteram com o tempo e as necessidades dos usos e costumes. Querer que a nossa pare no século de quinhentos, é um erro igual ao de afirmar que a sua transplantação para a América não lhe inseriu riquezas novas. A este respeito a influência do povo é decisiva. Há, portanto, certos modos de dizer locuções novas, que de força entram no domínio do estilo e ganham direito de cidade.
Mas se isto é um fato incontestável, e se é verdadeiro o princípio que dele se deduz, não me parece aceitável a opinião que admite todas as alterações da linguagem, ainda aquelas que destroem as leis da sintaxe e a essencial pureza do idioma. A influência popular tem um limite; e o escritor não está obrigado a receber e dar curso a tudo o que o abuso, o capricho e a moda inventam e fazem de influência a este respeito, depurando a linguagem do povo e aperfeiçoando-lhe a razão.
(Machado de Assis. “Instinto de nacionalidade”. In: Obras completas. Vol. 3. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 1973, pp. 808-9.)
Vocabulário e Notas:
solecismo: erro de sintaxe
Continuando com Machado de Assis! Na sua opinião, em Dom Casmurro, você acredita que houve traição por parte de Capitu?
ResponderExcluirhttp://edinaldoabel.blogspot.com/
Edinaldo, meu caro, o Machado era um céptico,e assim sua literatura. Não queira descobrir aquilo que não tem solução. Se traiu, arrasou com a vida do casal; se não traiu, a vida do casal foi arrasada. Não existe solução. Acrescento, ainda, que do ponto de vista da narrativa, Bentinho é quem conta sua história, narrador-protagonista e só vamos conhecer a visão de alguém interessado particularmente no caso. Não existe possibilidade de salvar o Bentinho, frágil e ciumento. Nem a Capitu, forte e ambiciosa. Quem tem razão? Todos têm e ninguém tem. Eis a grandeza do Machado. Encontrar uma solução seria a destruição de um dos maiores romances da literatura brasileira.
ExcluirMachado é, sem sombra de dúvida, o maior escritor brasileiro e um dos maiores da língua portuguesa. Tamanha a sua importância para a nossa literatura que não é nenhum exagero dizer que, se o Classicismo português se iniciou com Sá de Miranda e encerrou-se com Camões, o Realismo brasileiro começou e terminou com Machado de Assis. Acrescente-se a isso o Machado poeta, cronista, contista, crítico, tradutor, etc etc.
ResponderExcluirCaro João, o Machado foi quem nos inventou. O romance urbano brasileiro, sem as inflexões sintáticas lusitanas, isso é obra do Machado. Todo romancista ou contista ou mesmo cronista do séc. XX é filhote do bruxo do Cosme Velho.
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