"Literatura é palavra"
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Menalton Braff fez-me pensar, ontem. Gaúcho morando no
interior de São Paulo há anos, escreve a tempo inteiro. Vem a Araraquara, entre
outras coisas, para lançar seu 18º livro, “Tapete de silêncio” - que eu li hoje
de ponta a ponta. Encolhe os ombros se lhe perguntam para quem escreve:
“escrevo pra mim, pra meu deleite, porque preciso”. Escreve porque é a sua
maneira de problematizar a vida, representar numa história que é sempre a mesma
diferentes maneiras de dizer. Porque literatura é palavra, diz. E palavra é
linguagem.
Gosto dessa simplicidade nada simples. Faz com que me
pergunte, incomoda-me a própria escrita, faz-me remexer na cadeira e querer
escrever. Tiro da mochila um dos cadernos-de-anotar-coisas e a caneta: estão
chegando ideias, posso senti-las descendo os degraus.
Mais uma pergunta: “como o senhor fala de alta e de baixa
literatura? Isso não é julgamento?” – 1º anista de Letras, desconfio. E
lembro-me da resposta que ouvi de Zina Bellodi a uma aluna que fez a mesma
pergunta em 199e/alguma/coisa: “falo porque sei, minha filha, quando você tiver
lido o suficiente para pensar nisso, também saberá”. E pronto. Nem se respirava
mais naquela sala. Menalton é mais brando, mais suave – mas diz quase que a
mesma coisa. Eu acho que ele não vê a hora de terminar.
Olho para as caixas de papelão forradas de esquemas, de desenhos,
de rascunhos, descrições de personagens e lugares, de elementos que uso para
estar dentro do que escrevo, a ficção tomando conta da minha vida, alterando-me
o fôlego quando alterno entre o que sou e o que escrevo nesse terreno
ficcional, abrindo-me portas dentro das portas que abro. E sei onde preciso
cortar, finalmente. Só não sei a que horas irei dormir, a lua já cheia me
alumiando pela janela aberta.
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Só as palavras, dando
os nomes, penetram até o fundo e perfuram a casca da nossa consciência? (In Tapete de silêncio)
Perguntam-lhe se seus livros se baseiam em fatos reais.
Ri-se – vejo-o não tão de perto quanto gostaria, estou sentada a meio do
anfiteatro, mas percebo-lhe os olhos vivos que se divertem. Claro, como poderia
ser diferente: “você queria que eu me baseasse em fatos irreais?!”. Com o tempo
e o andar das perguntas, começa a impacientar-se: “você não acha que o escritor
precisa estar a serviço da sociedade?”. “Não, não acho”, e olha para o
mediador, encolhe os ombros e arremata: “O que posso fazer? Não acho mesmo.” O
inquiridor senta-se, imagino que desalentado, poluído pelos manuais de seu
(provável) curso de Ciências Sociais. Menalton sabe o que diz. Presidente da
União Brasileira de Escritores, não se afasta da discussão política – e por
isso sabe que nunca jamais o escritor pode ou deve estar a serviço de qualquer
outra coisa que não seja a própria arte. Nem que seja a sociedade. Oxigênio
oxigênio oxigênio.
Quando chego a casa, tarde de tudo porque depois do bate
papo continuam outros papos, nesta cidade quente onde a noite é uma bênção para
degustar fora de casa, espreito a minha própria escrita. Logo vejo tantas
coisas que preciso mudar, tantas coisas que de repente me incomodam, porque
Menalton disse o que era preciso: as elipses são necessárias. O silêncio
significante. Não se pode revelar tudo. Não se pode mostrar tudo. Não se pode
antecipar o que no fundo nem se sabe que virá, porque a escrita é rebelde e se
realiza de formas diferentes das que se queriam pretender. Sei o que
problematizo, se Menalton me perguntasse - na escrita e na vida. Mas calo,
porque o que problematizo fala de si sem precisar de mim. E onde de repente eu
me descaio e revelo, é aí que a faca precisa cortar a carne.
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