sexta-feira, 22 de junho de 2012

QUESTÕES DE ESTÉTICA DA LITERATURA (8)

(Anotações fragmentárias de um livro considerado fundamental para os estudos literários: Teoria da Literatura, de René Wellek e Austin Warren

SER OU NÃO SER, EIS A QUESTÃO

Pág. 31 - "Mas é no aspecto da 'referência' que a natureza da literatura transparece mais claramente. O cerne da arte literária encontrar-se-á, obviamente, nos géneros tradicionais: lírico, épico, dramático. Em todos eles existe uma 'referência', um relacionar com um mundo de ficção, de imaginação. As afirmações contidas num romance, num poema ou num drama não representam a verdade literal; não são
proposições lógicas. Existe uma diferença central e importante entre uma afirmação, mesmo a produzida num romance histórico ou num romance de Balzak que pareça comunicar uma 'informação' acerca de sucessos reais, e a mesma informação quando publicada num livro de história ou de sociologia. Até na lírica subjetiva, o 'eu' do poeta é um 'eu' dramático, fictício.


Uma personagem de romance é diferente de uma figura histórica ou de uma figura da vida real. É formada meramente pelas frases que a descrevem ou pelas que foram postas na sua boca pelo autor. Não possui nem passado, nem futuro, nem, às vezes, continuidade de vida. Esta reflexão elementar basta para responder a muito criticismo dedicado a questões como a de Hamlet em Wittemberg, a da influência exercida sobre Hamlet por seu pai, a de um Falstaff esbelto e jovem, a da 'adolesceência das heroínas de Shakespeare', a de saber 'quantos filhos teve Lady Macbeth'. O tempo e o espaço num romance não são o tempo e o espaço reais. Até mesmo o mais aparentemente realista dos romances - por exemplo, as próprias 'talhadas de vida' dos naturalistas - não deixa de ser construído de acordo com certas convenções artísticas.  Especialmente encarando-os de um ângulo histórico mais recente apercebemo-nos de como são idênticos entre si os romances naturalistas - pela escolha do tema, pelo tipo de caracterização das personagens, pelos sucessos escolhidos ou admitidos, pelos modos de conduzir o diálogo. Descortinamos, do mesmo modo, o extremo convencionalismo do drama, até mesmo do mais naturalístico, não só  pela sua assunção do enquadramento cénico, mas pelo modo por que o espaço e o tempo são tratados, pelo modo por que o diálogo - mesmo do supostamente realista - é seleccionado e conduzido e pela maneira por que as personagens entram e saem de cena. Por muito diferentes que sejam, 'The Tempest'  e 'Uma Casa de Bonecas' compartilham, no entanto, deste convencionalismo dramático."

Esse é um parágrafo crucial para que se inicie a definição de literatura. A ficcionalidade é a primeira condição. Em qualquer corrente crítica contemporânea, a fidelidade aos fatos empíricos produzirá um discurso não literário.

2 comentários:

  1. Gostei muito desse post, ainda mais vindo de alguém experiente! É sempre bom aprender, entender como a literatura se desenrola, os caminhos a seguir. Comecei um blog de crônicas há 1 mês e tenho vindo bastante aqui para aprender com vc. Obrigada pelo blog, muito especial!
    Um abraço,
    Fabíola
    http://asomadetodosafetos.blogspot.com.br/

    ResponderExcluir
  2. Muito simpáticas suas palavras, abiola. E me põe na obrigação de continuar escolhendo bem os textos. A literatura nos merece estudo e reflexão, não é mesmo?
    Abraços

    ResponderExcluir

http://twitter.com/Menalton_Braff
http://menalton.com.br
http://www.facebook.com/menalton.braff
http://www.facebook.com/menalton.braff.escritor
http://www.facebook.com/menalton.para.crianças