Tenho um tio, sujeito grave muito dado a pensamentos graves,
que outro dia, num encontro familiar, discorria gravemente sobre escolher e ser
escolhido. Este colunista participava da reunião apenas como ouvinte, que saber
ouvir é uma de suas poucas virtudes. Mas era um ouvinte crítico, apesar de
silencioso. Relutava em aceitar os argumentos desse tio que, para ter crédito,
dispunha apenas de sua gravidade.
Hoje, finalmente, consegui entender o que aquele velho tio
cheio de gravidade queria dizer e verifico encabulado que minhas relutâncias
não passavam da resistência de alguém que se tem em alto valor. Sou o sujeito
de meu destino, arquiteto de meu caminho, pensava então. Quanta empáfia!
Estas reflexões me ocorrem a propósito de um pensamento que
se insinuou em minha consciência num momento de desprevenidas divagações.
Não sei a razão, mas hoje acordei com vontade de ter nascido
em Cachoeiro de Itapemirim, no Espírito Santo. Se me tivessem dado a
oportunidade de escolher, era lá que eu teria nascido. Pois nasci em Taquara,
por onde passam dois rios, mas nenhum dos dois se transforma em água que voa,
com esta sensação de desmaio, de esgarçamento, que é o transformar-se em fina
cortina de brilhos que nunca param de cair. Nem Cachoeiro nem seu feminino.
Quisera ter uma casa em minhas recordações de infância. Uma
casa sólida, secular, com porão escuro e mil segredos pelos cantos
inacessíveis. Uma casa que já tivesse atravessado incólume tenebrosas noites de
tempestade. Pois nem a casa onde nasci consigo recuperar das sombras do passado.
Hoje, se me fosse dado escolher minha infância, brincaria com meus irmãos à
sombra de um imenso cajueiro “no alto do morro, atrás de casa. Só para chegar
lá um dia, bem mais tarde, espiar pela janela e descobrir que o cajueiro havia
sido derrubado pelo tempo. O cajueiro com aquelas letras gravadas a canivete no
tronco. Então eu poderia me sentir nostálgico e refletir sobre a irreversível
passagem do tempo.
Não, eu não tinha razões para duvidar de meu tio. Há um
espaço muito maior em que a vida nos escolhe. Escolher é mesmo a sina de todos
nós, é nossa responsabilidade sartreana de seres livres, mas é ainda tão pouco
o que escolhemos em comparação com aquilo em que somos escolhidos! Fui alguma
vez correspondente internacional? Não, nunca fui e nada indica que um dia
chegue a ser.
Ah, meu caro Rubem Braga, já não duvido de que tu, se te
fosse dado escolher, teria escolhido Copacabana para teu berço, pois assim é o
ser humano: o paraíso está sempre do outro lado do muro para que se possa
sonhar e suspirar, porque o sonho e o suspiro é que mantém verde a esperança.
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