Macunaíma continua perambulando pelo mato. Ele acabou de pedir aipim para uma cotia e ela pergunta o que ele anda fazendo.
Pág. 22 - "- Passeando.
- Ah o quê!
- Passeando, então!
Contou como enganara o Currupira e deu uma grande gargalhada. A cotia olhou pra ele e resmungou:
- Culumi faz isso não, meu neto, culumi faz isso não... Vou te igualar o corpo com o bestunto.
Então pegou na gamela cheia de caldo envenenado de aipím e jogou a lavagem no piá. Macunaíma fastou sarapantado mas só conseguiu livrar a cabeça, todo o resto do corpo se molhou. O herói deu um espirro e botou corpo. Foi desempenando crescendo fortificando e ficou do tamanho dum homem taludo. Porém a cabeça não molhada ficou pra sempre rombuda e com carinha enjoativa de piá.
Macunaíma agradeceu o feito e frechou cantando pro mocambo nativo. A noite vinha bezourenta enfiando as formigas na terra e tirando os mosquitos d'água. Fazia um calor de ninho no ar. A velha tapanhumas escutou a voz do filho no longe cinzado e se espantou. Macunaíma apareceu de cara amarrada e falou pra ela:
- Mãe, sonhei que caiu meu dente.
- Isso é morte de parente, comentou a velha.
- Bem que sei. A senhora vive mais uma Sol só. Isso mesmo porque me pariu."
(...)
"Pág. 23 - No outro dia Macunaíma depois de brincar cedinho com a linda Iriqui, saiu pra dar uma voltinha. Atravessou o reino encantado da Pedra Bonita em Pernambuco e quando estava chegando na cidade de Santarém topou com uma viada parida.
- Essa eu caço! ele fez. E perseguiu a viada. Esta escapuliu fácil mas o herói pôde pegar o filhinho dela que nem não andava quase, se escondeu por detrás duma carapanaúba e cotucando o viadinho fez ele berrar. A viada ficou feito louca, esbugalhou os olhos parou turtuveou e veio vindo veio vindo parou ali mesmo defronte chorando de amor. Então o herói flechou a viada parida. Ela caiu esperneou num bocado e ficou rija estirtada no chão. O herói cantou vitória. Chegou perto da viada olhou que mais olhou e deu um grito, desmaiando. Tinha sido uma peça do Anhanga... Não era viada não, era a própria mãe tapanhumas que Macunaíma flechara e estava morta ali, toda arranhada com os espinhos das titaras e mandacarus do mato.
Quando o herói voltou da sapituca foi chamar os manos e os três chorando muito passaram a noite de guarda bebendo oloniti e comendo carimã com peixe. Madrugadinha pousaram o corpo da velha numa rede (pág. 24) e foram enterrá-la por debaixo duma pedra no lugar chamado Pai da Tocandeira. Maanape que era um catimbozeiro de marca maior, foi que gravou o epitáfio. (...)
Jejuaram o tempo que o preceito mandava e Macunaíma gastou o jejum se lamentando heroicamente. A barriga da morta foi inchando foi inchando e no fim das chuvas tinha virado num cerro macio. Então Macunaíma deu a mão pra Iriqui, Iriqui deu a mão pra Maanape, Maanape deu a mão pra Jiguê e os quatro partiram por esse mundo."
Observações: "Ah o quê" é expressão típica de São Paulo.
"Culumi" é a forma empregada por pessoas de algumas nações africanas trazidas ao Brasil como escravas.
"Bestunto" - forma popular igual a cabeça, mente.
"piá" - regionalismo gaúcho para menino.
"enfiando as formigas na terra e tirando os mosquitos d'água" - bela imagem de MA para o anoitecer.
"Dente" e "parente" - os ditados populares são muitas vezes rimados. Sonhar que perdeu um dente é morte de parente.
"Saiu pra dar uma voltinha" - expressão popular urbana.
"Pedra Bonita e Santarém - eliminação da lógica espaço/temporal (pensamento indígena).
"de marca maior" - expressão popular. Observar como em alguns trechos o texto de MA aproxima-se da oralidade.
(CONTINUA)
Pág. 22 - "- Passeando.
- Ah o quê!
- Passeando, então!
Contou como enganara o Currupira e deu uma grande gargalhada. A cotia olhou pra ele e resmungou:
- Culumi faz isso não, meu neto, culumi faz isso não... Vou te igualar o corpo com o bestunto.
Então pegou na gamela cheia de caldo envenenado de aipím e jogou a lavagem no piá. Macunaíma fastou sarapantado mas só conseguiu livrar a cabeça, todo o resto do corpo se molhou. O herói deu um espirro e botou corpo. Foi desempenando crescendo fortificando e ficou do tamanho dum homem taludo. Porém a cabeça não molhada ficou pra sempre rombuda e com carinha enjoativa de piá.
Macunaíma agradeceu o feito e frechou cantando pro mocambo nativo. A noite vinha bezourenta enfiando as formigas na terra e tirando os mosquitos d'água. Fazia um calor de ninho no ar. A velha tapanhumas escutou a voz do filho no longe cinzado e se espantou. Macunaíma apareceu de cara amarrada e falou pra ela:
- Mãe, sonhei que caiu meu dente.
- Isso é morte de parente, comentou a velha.
- Bem que sei. A senhora vive mais uma Sol só. Isso mesmo porque me pariu."
(...)
"Pág. 23 - No outro dia Macunaíma depois de brincar cedinho com a linda Iriqui, saiu pra dar uma voltinha. Atravessou o reino encantado da Pedra Bonita em Pernambuco e quando estava chegando na cidade de Santarém topou com uma viada parida.
- Essa eu caço! ele fez. E perseguiu a viada. Esta escapuliu fácil mas o herói pôde pegar o filhinho dela que nem não andava quase, se escondeu por detrás duma carapanaúba e cotucando o viadinho fez ele berrar. A viada ficou feito louca, esbugalhou os olhos parou turtuveou e veio vindo veio vindo parou ali mesmo defronte chorando de amor. Então o herói flechou a viada parida. Ela caiu esperneou num bocado e ficou rija estirtada no chão. O herói cantou vitória. Chegou perto da viada olhou que mais olhou e deu um grito, desmaiando. Tinha sido uma peça do Anhanga... Não era viada não, era a própria mãe tapanhumas que Macunaíma flechara e estava morta ali, toda arranhada com os espinhos das titaras e mandacarus do mato.
Quando o herói voltou da sapituca foi chamar os manos e os três chorando muito passaram a noite de guarda bebendo oloniti e comendo carimã com peixe. Madrugadinha pousaram o corpo da velha numa rede (pág. 24) e foram enterrá-la por debaixo duma pedra no lugar chamado Pai da Tocandeira. Maanape que era um catimbozeiro de marca maior, foi que gravou o epitáfio. (...)
Jejuaram o tempo que o preceito mandava e Macunaíma gastou o jejum se lamentando heroicamente. A barriga da morta foi inchando foi inchando e no fim das chuvas tinha virado num cerro macio. Então Macunaíma deu a mão pra Iriqui, Iriqui deu a mão pra Maanape, Maanape deu a mão pra Jiguê e os quatro partiram por esse mundo."
Observações: "Ah o quê" é expressão típica de São Paulo.
"Culumi" é a forma empregada por pessoas de algumas nações africanas trazidas ao Brasil como escravas.
"Bestunto" - forma popular igual a cabeça, mente.
"piá" - regionalismo gaúcho para menino.
"enfiando as formigas na terra e tirando os mosquitos d'água" - bela imagem de MA para o anoitecer.
"Dente" e "parente" - os ditados populares são muitas vezes rimados. Sonhar que perdeu um dente é morte de parente.
"Saiu pra dar uma voltinha" - expressão popular urbana.
"Pedra Bonita e Santarém - eliminação da lógica espaço/temporal (pensamento indígena).
"de marca maior" - expressão popular. Observar como em alguns trechos o texto de MA aproxima-se da oralidade.
(CONTINUA)
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